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Estrondos, Escolhas e Estéticas Underground

Nuno Di Rosso


Staff with Cornish boilers da Powerhouse Museum Collection 

 

Estava eu a passar as vistas pelo meu feed de notícias no Facebook — não sei como lhe chamam em Português, tenho a cena em inglês de Inglaterra pois sou uma puta fina — quando dei de caras com o primeiro post do dia acerca de um assunto que levanta e levantará muita celeuma. E só não dá mais estrondo — como se diz “parolamente” (acham alguns) aqui para cima — porque muita gente terá medo de falar, por no fundo ainda ter a secreta esperança de lá ir parar um dia.

Ponto prévio: conheço o Miguel Silva, o marketing manager cultural da “marca do boi vermelho” (boi vermelho é a marca de uma bebida que nos deixa acordados e não uma droga saída dos anos 80, a erva de eleição do dealer do "Paradise Café"), há tanto tempo quanto levo a misturar discos profissionalmente. Fui companheiro de batalha dele em muitas jornadas mais ou menos obscuras, jantámos juntos, fomos a concertos juntos e posso dizer que se não somos amigos, somos pelo menos bons conhecidos. Contudo, nunca trabalhei para ele, nem nunca se proporcionou incluir-me em nada que organizasse, e respeito-o por isso: não gosta, não come. Não é por termos partilhado estórias de estrada que tem que me convidar para o que quer que seja.

Pois bem, já adivinharam sobre o que versava o post, o Boiler Room Lisboa, edição 2014.

 


Waiting for Gene Tunney da coleccção National Libreary of Ireland on the Commons

 

Quem me conhece sabe o que eu penso do Boilerão. Acho uma desilusão, gostava que aquilo fosse mais intimista. Sim, estão a actuar em sítios pequenos, para pouca gente que está lá por convite, mas isso por si só não faz daquelas performances algo de intimista ou experimental e criador de movimentos dentro da música. O que eu gostaria era que, nas sessões de DJ os artistas fossem vasculhar profundamente nas suas colecções para nos mostrarem pérolas de outros tempos e as misturassem com as actuais, ou que fizessem sets conceptuais do fim do mundo, ou que mostrassem vertentes diferentes das que lhes conhecemos.

 


Spectators on a ferry, Sydney Harbour da Australian National Maritime Museum on the Commons

 

Sim, há excepções no capítulo DJ na história do Boiler Room. Recordo-me, por exemplo, da actuação em que o DJ Shadow juntou os discos de onde retirou os samples do seu último álbum e lhes deu uma sequência, ou de Sinkane a mostrar as suas raízes africanas — apesar de tecnicamente fraco, ouvem-se neste set muitas coisas realmente magníficas —, ou os fabulosos 45 minutos da última passagem de Bonobo pela casa das caldeiras em Londres, os 2 Bears em Brighton… E claro, quando juntam dois DJs que normalmente não tocam juntos, aí vejo utilidade universal nas emissões. No capítulo live/bandas a coisa já me agrada mais, com a maioria a ter o cuidado de apresentar versões diferentes do que fazem em disco, o que enriquece de facto as prestações. Assim de repente podia apontar Julia Holter ou Darkside como dois bons exemplos. No entanto a qualidade da imagem é quase sempre muito fraca, se compararmos com as sessões da KCRW ou From The Basement, que me parecem ser também muito superiores a nível de exigência por parte de quem faz o broadcast e de quem actua por lá.

Por esta hora a maior parte de vocês estará a pensar que eu estou errado e que o Boiler Room é útil para muita gente. Por exemplo, para os promotores de eventos que podem aferir a qualidade de determinado artista com a colocação da câmera, que nos dá um belo vislumbre das reais capacidades de determinado DJ. Certo, mas um DJ set num clube não tem por norma a duração de 45 minutos a 1 hora, por isso o que vemos ali é apenas uma amostra, e quantos de vocês já compraram algo baseado numa amostra e o tiveram de devolver depois?

Outro exemplo é o do espectador que está em partes do planeta que não são contempladas normalmente com a presença destes artistas, e aí dou-vos inteira razão. Mas eu não me incluo nesse lote e vocês também não.

 


Plaid Cymru broadcasting "Radio Wales" illegally for the first time in North Wales da Llyfrgell da colecção Genedlaethol Cymru / The National Library of Wales

 


É importante sim para os artistas que são convidados, porque podem exibir o seu trabalho para um auditório muito vasto e é importante para as marcas que se associam a determinadas emissões, dando-lhes uma maior visibilidade no meio underground. Esta é a verdade nua e crua: aquilo não é uma experiência transcendental, é comércio. É algo que só funciona porque a nossa sociedade caminha para uma cada vez maior individualização. Sem querer parecer a velha do anúncio do supermercado, no meu tempo a música electrónica mais direccionada para a dança era celebrada entre amigos, num clube suado e escuro, com o volume bem alto e até bem tarde de preferência, não era coisa para se estar a ouvir sozinho em casa, através do portátil e com o som manhoso da internet. O criador do Boiler Room foi inteligente, percebeu que as pessoas de hoje não se importam de estar a ver/ouvir coisas ao vivo no Youtube, mesmo que os graves estejam a distorcer e os médios soem tão estridentes que até o gato da vizinha se esconde, e ofereceu-lhes isso com um pouquinho mais de qualidade. Acham que estou a exagerar? A verdade é que cada vez temos mais amigos que estão connosco, mas não estão. Gente que passa a vida agarrada à internet nos seus tablets e smartphones, que tiram fotografias em todo o lado e as partilham, pessoas que acham mal a NSA espiar as suas vidas, mas lhe dão todas as condições para que não tenham trabalho algum a descobrir o que fizeram, o que comeram, ou por onde andaram em determinado dia.

 


Plates of Passover foods, Hadassah-Seligsberg Comprehensive High School, 1977 da coleccção do Center for Jewish History, NYC

 


Outro grande trunfo do Boiler Room é não haver um mas vários. Não estou a falar a nível geográfico, isso é óbvio, mas a nível musical: temos o pessoal do bass a ver umas coisas, o bando do techno a ver outras, a tribo house outras, e com a expansão para os Estados Unidos os b-boys a deliciarem-se com outras. O segredo é ficar no underground - techno, house, hip-hop, bass, electrónica mais ou menos experimental - em vez de caminhar para o mainstream, ainda que às vezes os dois mundos se sobreponham. É um posicionamento também seguido por outras plataformas e com grande sucesso, como Resident Advisor, Xlr8r ou Pitchfork por exemplo, que têm conseguido trazer o underground, seja electrónica ou indie, para os grandes palcos, comercializando-o em vez de procurar o comercial para singrar e consequentemente facturar com publicidade.

Chegamos finalmente ao que interessa, a segunda edição em terras lusas. Desculpem-me a frontalidade, mas só podia ser Boiler Room Lisboa. O alinhamento representa bem o que é a realidade sonora da nossa capital vista pelos olhos de quem a promove, a marca da bebida que dá asas. Quem, como eu, ouve regularmente o Ginga Beats na 3 sabe que a estética que a marca decidiu ser a portuguesa representa maioritariamente a capital e arrabaldes: basta pensarem que aqui no Porto conhecemos quase todos os luso-africanos que cá residem pelo nome — passo a hiperbolização — e que o boom de estudantes que vêm de África para as faculdades da Invicta deve quedar-se por umas duas centenas. Param todos aqui bem perto de minha casa, num dos dois salões de cabeleireiro africanos da cidade, e que por acaso é de um antigo vizinho meu. Portanto aqui não há mestiçagem na electrónica, pelo menos da maneira pura que se vive em Lisboa.

Cá por cima quem gosta disso são putos de 16 anos que vibravam ao som de Buraka, mas ficavam burros quando os homens tocavam os acordes de Thunderstruck dos AC/DC, dizendo que se tratava de Guns N’ Roses, ou então hipsters que nem sabem do que gostam, porque quando mais alguém gosta de determinada coisa, seguem para outra. O que quero dizer, muito basicamente, é que quando estamos ver as coisas “de fora” temos um melhor entendimento da sua definição e delimitação. Sim os Throes + The Shine são parte tripeiros, mas apanharam a onda que começou a ser surfada em Lisboa há já muitos anos, com o inicio da aventura chamada Enchufada, alterando um pouco o paradigma de kuduro progressivo como underground (talvez em Luanda seja) para rockuduro.

 


Throes + The Shine

 

Não estou a criticar a opção, ela é válida e é consequente com o que tem sido feito pela marca. Aliás, tanto o Marfox como o Branko são grandes leitores de pista e muito bons tecnicamente e eu respeito muito o que fazem. Os Throes + The Shine dão concertos que ultrapassam o mítico deixando tudo de cabelos em pé, como no Milhões de Festa. Mas todos eles estão ligados a uma cena muito específica e representam uma opção programática que está longe de ser underground e desconhecida do grande público, tanto fora como dentro de portas. Os Octa Push, que veem a sua base de fãs crescer de dia para dia (e ainda bem), sabem também mergulhar com mestria pelos beats de descendência africana, adicionando-lhes linhas de baixo garage (do inglês é claro). Portanto até aqui viajamos mais ou menos sempre no mesmo sentido. Mais desconhecidos do grande público por cá, mas pelo que mostram nos seus mixes - confesso, nunca os vi ao vivo - têm um bom gosto indiscutível e merecem a chamada, são a Rita Maia e o Twofold, sendo que ambos fogem um pouco à trave mestra do edifício. É o caso também de Moullinex e Xinobi, dupla de méritos indiscutíveis e porta estandartes da nossa bandeira por esse mundo fora, quer se goste ou não da sua sonoridade disco adocicada. Por fim temos Trikk, um tripeiro que chega a Lisboa via Londres e que é um firme representante do som híbrido entre o house, o techno e o bass, que pessoalmente muito aprecio. Para dizer a verdade Deodato nem precisava de vir ao de Lisboa, abriu o Boiler da Man Make Music e tem uma já sólida carreira além fronteiras.

 


Rita Maia

 

Agora uma coisa é certa, o John Smith em Londres, o John Doe nos States, o Signor Rossi em Milão ou o Monsieur Dupont em Lyon vão ficar a pensar que a cena lisboeta está cheia de clubes e bares a debitarem batidas afro aceleradas e MCs a espalhar a mensagem por todo o lado. Se por acaso nos vierem visitar, vão chegar à conclusão que, tal como em Hollywood, muito do que vemos no Boiler Room é ficção.

Se começarem a visita pelos bares do Caís do Sodré ou Bairro Alto, vão ouvir o Nery a rodar um hip-hop ou o Mr. Mute a espalhar sonoridades latinas no Caxuxa, o Dedy Dread e o Mr. Bird a mostrarem raros mash-ups de inspiração Soul, O Troll ou o Miguel Sá no Capela, O Vahagn ou o Caiado a trocarem galhardetes um pouco por todo o lado, Pelota e as suas mutações no Lounge, o Kronic a scratchar por aí, e mais ainda algum rock à mistura com A Boy Named Sue a aparecer um pouco por toda a parte nestes dias. E depois, se por acaso quiserem levar a noite até mais tarde e se deslocarem aos clubes de maior nomeada da capital, vão “levar” com o que ouvem nos seus países em todo o lado, techno e house, e que tão bons intérpretes temos por cá. Bom, e aquele som que caracteriza Lisboa e que ouvimos no Boiler Room? Está no Music Box (nem sempre) e pouco mais.

 


Lisbonne Gare Caes do Sodre da coleccção George Eastman House

 

É portanto neste ponto que os críticos do evento se centram e tenho que lhes dar alguma razão. É que o line-up do ano passado era mais heterogéneo e passível de agradar a gregos e troianos, apesar de, como disse anteriormente, achar o alinhamento bastante porreiro pá, como diria o Pinóquio.

É que há coisa de três ou quatro anos o Rui Estevão foi retirado de antena durante o dia por algum tempo, por fugir à playlist da 3 com muita frequência. Quando o fazia era para passar a tal música não-alinhada, e não se tratava de Buraka, Octa Push ou Throes + The Shine por que esses fazem parte da dita lista, mas coisas tão simples para mim como Damian Lazarus. É verdade, Audiopath, Caiado, Kaspar, Silveira, Tiago, Accatone, Photonz, Rompante, Torga, Infestus, Lukkas, Fautzi, Parker, Re:axis, Social Disco Club… Sei lá, tantos e tantos que nunca ouvi a rodar durante o dia em nenhuma rádio nacional, não são afinal tão heróis do underground como os que lá passam com alguma insistência. Como dizia DJ Shadow no mítico “Why hip hop sucks in 96?": "It’s the money”.

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