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Itinerário Veneziano – la Biennale, Architettura 2014

Mário Caeiro


Mais vale nunca do que tarde? Isto a propósito da 14.ª Bienal de Arquitectura de Veneza que chega rapidamente ao fim (23 de Novembro). Seguem-se algumas imagens que (me) ficaram. Flashes de um (mais ou menos inútil) roteiro turístico.

 

Ideia geral. A Bienal de 2014 é sem dúvida um evento quite big e impressive. Mas sobretudo um acontecimento social e cultural importante na exacta medida em que o desafio do curador – o arquitecto-estrela Rem Koolhaas – encontrou resposta sólida e empenhada por parte da comunidade projectual, assim gerando um acervo de informação basicamente enorme e em boa hora bastante operativo.

A dimensão histórica e crítica, mais de análise do que de síntese, prevaleceu portanto sobre a do espectáculo do gratuito e da vaidade, optando por sustentar-se na realidade anacrónica do saber arquitectural. Numa palavra, entre a maioria dos participantes, a proposta de Koolhaas – com o título de Fundamentals e desdobrando-se numa reflexão coordenada e coerente sobre o tema Absorbing Modernity: 1914-2014 – calou bem fundo. Rem Koolhaas assim o havia enunciado, antes da abertura:

 

Fundamentals será uma Bienal sobre arquitectura, não sobre arquitectos. Após várias Bienais dedicadas à celebração do contemporâneo, Fundamentals focar-se-á em histórias – nos elementos inevitáveis de qualquer arquitectura, utilizados por todos os arquitectos, em toda a parte, a toda a hora (a porta, o pavimento, o tecto, etc.), bem como na evolução das arquitecturas nacionais ao longo dos últimos 100 anos. Através de três manifestações complementares – decorrendo no Pavilhão Central, no Arsenale e nos Pavilhões Nacionais – esta retrospectiva gerará um novo entendimento da riqueza do repertório fundamental da arquitectura, hoje aparentemente exangue.

 


A identidade gráfica de Fundamentals foi desenhada por Irma Boom, designer holandesa especializada no livro.

 

 

Não sendo arquitecto – o que me torna um misto de neófito e filistino –, o que retenho da Bienal de 2014 são as participações nacionais que seduziram pela maneira como estabeleceram uma relação entre a arquitectura e as dinâmicas históricas da vida social. Neste sentido, os pavilhões de maior impacto foram os que resolveram os respectivos constrangimentos espaciais e a situação comunicacional a criar sob a forma de instalações no essencial artísticas, ou em que reconhecemos o know how ao nível do design que caracteriza o campo da arte contemporânea. O que (me) fica são (então) as imagens de Israel, de França, da Alemanha e de Chipre… mas já lá vamos.

Ora o conceito genérico da Bienal – o de reflectir sobre um século inteiro de modernices – consubstanciou-se desde logo em diferentes modelos de arquivo e análise. Só secundariamente é que esta Bienal se fez de propostas novas. Isto deu a sensação de que esta Bienal ficará na história como uma pausa, senão regressão reflexiva, precisamente para que em próximos tempos a arquitectura, qual disciplina-rainha do pensamento transformador, possa tornar-se mais pertinente para os mundos profissionais (e não só) que necessariamente a envolvem. Não foi um ‘toca a reunir’, mas quase.

O sub-tema Absorbing Modernity foi portanto aposta ganha, obrigando a comunidade arquitectural a pensar fenómenos incontornáveis como os da apropriação, da hibridização ou da rejeição de tradições, precisamente a partir dos seus mais discretos elementos formais – lá está: pavimentos, paredes, tectos, portas… citando os Franceses, os elementos universais da cultura, da política, dos modelos económicos, da geografia… Toda esta visão da amplitude e ao mesmo tempo do atomismo e contingência do projecto arquitectónico como assemblagem material alicerçou-se depois noutra opção fundamental: a Bienal de Arquitectura passa a partir de agora a durar tantos meses como a de arte. Mais um movimento de fundo que talvez possamos atribuir à visão, ao prestígio e à capacidade de Koolhaas?

 


 

 

Pavilhão Central – Os Inúmeros Elementos


Koolhaas brindou-nos no Pavilhão Central com uma exposição essencialmente didáctica sobre os já referidos Elementos da Arquitectura. Ficamos na dúvida se esse didactismo redundou demasiado óbvio – ao limite, directo e superficial – ou se se tratou de um saudável e desempoeirado proselitismo acerca de algo essencial na praxis arquitectónica, o contacto com as coisas.

 


À entrada para o Pavilhão Central. Elementos em contraste.

 

 


A lareira, lugar do fogo, é um elemento fundamental da arquitectura.

 

 

Perante o design museológico informal e o tom ‘protestante’ de rejeição do espectáculo, algumas vozes não hesitam porém em reconhecer no curador uma voz deprimida que morde a mão que lhe deu/dá de comer:

 

«Edwin Heathcote, escrevendo no Finantial Times, descreve a presente encarnação da bienal como “uma exuberante apresentação de ansiedade arquitectónica, uma visão pixelizada não de uma identidade cultural una e coerente, mas de uma série de micro-narrativas, de histórias paralelas e frequentemente contraditórias.” É bem observado e até óbvio e previsível, dada a carreira cinemática do curador, Rem Koolhaas. Será assim tão surpreendente que a sua bienal tenha despoletado críticas abrasadoras na web?

Peter Eisenman vai mais longe, alegando que “Fundamentals” é acerca do fim de Rem, do fim da arquitectura, do fim dos “arquitectos-estrela.” É Rem a ‘deitar abaixo’ a bienal e com ela a própria arquitectura e a si próprio. Que mal lhe fez a bienal para ela a querer arrasar? Nada. A bienal é meramente o lugar para apresentar o que Kieran Long, escrevendo na Dezeen, chama “um mapa da psique de Koolhaas,” um chorrilho cínico e deprimente de “túneis profundos” de onde somos “incapazes de ver horizontalmente, incapazes de atingir aqule tipo de síntese que o mundo espera dos seus arquitectos.”

In Metropolis Mag

 

Safa! Exageros e frontalidade à parte, se calhar estamos perante uma aguda nota sobre o tom pouco romântico e motivador do Evento. Mas como disse, esta Bienal quis-se introspecção, não horizonte. E aí, ficarmos a saber, através de um simples postal disponível na exposição principal, que existe em Inglaterra uma organização como The Brooking National Collection, é algo de muito positivo. A TBNC é – registe-se – uma organização que se dedica a recolher elementos de arquitectura em todo o território britânico; desde 1966, tem vindo a construir um arquivo ‘hands-on’ de maçanetas, corrimões, fechaduras, etc., etc.… Este é um notável e basicamente anónimo projecto de conservação da memória, uma projecto de memória de um edificado, muitas vezes moribunda ou já morta. Basta pensarmos na situação devastadora que caracteriza Portugal: da arte nova paulatinamente destruída em Santarém à habitação social do SAAL, sistematicamente desprezada…

 

 


The Brooking National Collection. Deus está nos detalhes?

 

 

Chegar a Veneza é entregarmo-nos a um mergulho sensorial no cenário-palco de uma cidade em que a arquitectura, precisamente por constituir a trama do próprio meio urbano, ainda faz sentido. Precisamente enquanto imagem-experiência total reconhecível, a arquitectura enquadra esse ‘espectáculo’ outro que é o capital simbólico da razão projectual no pleno exercício da sua assertividade. Falo dos sucessivos pavilhões nacionais nos quais cada país se esmera para ‘puxar dos seus galões’; regra geral, há um cuidado investimento em qualidade e comunicação, começando esta nos sacos de lona impressos, com os seus soundbytes, e culminando na miríade de pequenas edições de todo o tipo e feitio.

 


 

 

Pavilhões nacionais. Flashes.


Numa palavra, o ‘guião’ geral permitiu que cada país procurasse pensar a sua própria contribuição para a modernidade, num quadro de globalização tão acelerado quanto virtualmente inibidor de qualquer verdadeira mudança que não venha a ser completa- e ‘impossivelmente’… radical. Mais uma vez, o press release não defraudou:

 

Ao contar a história dos últimos 100 anos cumulativamente, as exposições nos Pavilhões Nacionais vão gerar um panorama geral da evolução da arquitectura no sentido de uma estética una, moderna, e ao mesmo tempo desvelar, no seio da globalização, a sobrevivência de características nacionais únicas, bem como mentalidades que continuam a existir e a florescer mesmo à medida que a colaboração e o intercâmbio internacionais se intensificam…

In Labiennale.org

 

Fiquemo-nos então pelo que a memória retém (do que o corpo lá lhe conseguiu fazer chegar – que isto de visitar tudo e em profundidade seria virtualmente impossível). 

Áustria. Places of Power. Ideia sóbria e montagem a condizer. O comissário Christian Kühn, com apoio do arquitecto Harald Trapp, pegou no tema do parlamento como peça arquitectónica para se pensar, a partir das formas dos mesmos mundo afora, a materialização dos lugares do poder político, isto é, a representação institucional e efectiva desse poder político. Como são os lugares do poder foi a pergunta a que respondeu a mostra, consistindo a sala principal numa assemblagem de maquetas brancas 1:500, dispostas com enorme ironia (na parede, como um sistema ornamental), cada qual acabando por nos levar a reflectir acerca das mensagens implícitas nos edifícios parlamentares. E lá estava São Bento, com a brutal escadaria que bem conhecemos das manifes…

A Suíça trabalhou em sentido contrário. Dedicando a apresentação às figuras radicalmente visionárias de Lucius Burckhardt e Cedric Price, A stroll through a fun palace desmaterializou a apresentação dos conceitos e tornou-os o foco de uma acção performativa, com sessões de projecção em movimento que tornaram o espaço essencialmente vazio num laboratório de cúmplices contactos humanos. Memorável, mas pela via de uma quase não-imagem, ao encontro da perspectiva provocatória do curador – a estrela, esta da arte – Hans-Ulrich Obrist. Pode dizer-se que é nestes momentos que o encurtar de distâncias entre as linguagens da arte e da arquitectura se torna realmente estimulante (mesmo que às custas da inteligibilidade tradicionalmente exigida a um pavilhão nacional).

Eis um pavilhão genuinamente interdisciplinar, interactivo e engajado em produzir reflexão de âmbito inter-nacional (um intenso programa de residências que envolveu centenas de estudantes). Por outras palavras, foi feliz – divertida – esta dupla homenagem: a Lucius Burckhardt, political economist, sociólogo, historiador e teórico de planeamento, conhecido como pai da ‘ciência do caminhar’ – a strollogy; e a Cedric Price, um dos arquitectos mais intrigantes que o Reino Unido já produziu, autor do conceito Fun Palace (1960-61); apesar de jamais realizado, é uma ideia que continua a inspirar a convicção de que as ruas podem ser uma universidade. Aliás, ambos tinham a noção de que não era possível repensar e refazer a arquitectura sem uma profunda reformulação do ensino universitário.

 

 





Áustria e os lugares do poder. Suíça e os palácios do divertimento.

 

 

Noutro registo, se calhar ainda mais grávido de wit, o Pavilhão Alemão… arrasou. Bungalow Germania [sic] espalhou rigor conceptual, distanciamento crítico e craft de interiores até mais não; não estando aliás sequer ausente uma dimensão teatral (no sentido de cenário), desenvolvida como situação com inusitada capacidade de nos interrogar ao nível da percepção. A estratégia foi, como aconteceu nos melhores pavilhões, de ceder à linguagem da intervenção-instalação para dizer o conceito de forma concreta e ao mesmo tempo simbolicamente sintética. A complexidade dos assuntos abordados – a Alemanha como paraíso do Pós-Guerra e líder espiritual de uma Europa social, iluminada e ilustrada (de que já nem nos lembramos!?) – torna-se assim uma camada a que se acede não na mera experiência da instalação como metáfora, mas depois de a sentirmos como uma ambiciosa e perturbante encenação do tempo.

 

 


No Pavilhão Alemão sentimo-nos na casa de um País.

 

 

Alex Lehnerer e Savva Ciriacidis, os arquitectos-curadores, reconstruíram componentes da ‘casa de campo’ do chanceler (Kanzlerbungalow) germânico em Bona – um edifício concluído em 1964 pelo arquitecto Sep Ruf, e intensamente utilizado até 1999. Bungalow Germania – excelente copywriting!é em suma uma instalação parasita que emula uma experiência da hibridez, concretando dois espaços-chave da identidade Alemã, fundindo-os numa híbrido monstruosamente… belo, até pela aparente neutralidade da arrogância olímpica do desenho. Peça-mito (pela qualidade construtiva, pelo rigor…) tornada espaço enfático (eloquente equilíbrio entre as linhas rectas do primeiro modernismo e a evolução decisiva dos materiais na era industrial), não nos podemos esquecer que esta foi a imagem continuamente veiculada pela Chancelaria Alemã em décadas de emissões televisivas, fazendo parte de um programa de propaganda integrado.

Ora, no ‘enxerto’ que foi esta intervenção no Pavilhão-mãe, temos a metáfora da arquitectura como mecanismo de reflexão que abre mais do que fecha o corpo todo ao pensamento sobre a complexidade do político, da comunicação e da própria matéria. Genial, sobretudo porque toda a situação criada é exponenciada pelos factos: a intervenção justapõe-se – lá está, enxerta-se – num Pavilhão Alemão em que reconhecemos, se olharmos em volta e para cima, para o design de 38, o espírito do Reich!

Dizem então os autores: "Enquanto arquitectos, procurámos utilizar os meios arquitectónicos para lidar com a história, através de uma montagem arquitectónica destes dois edifícios, conectando ideias, momentos no tempo, lugares e espaços concretos. […] Aceitámos a sugestão de Koolhaas: uma abordagem com o carácter de investigação arquitectural e histórica, e percorremos o país à procura de um edifício que não tivesse mais do cem anos e que tivesse sido instrumentalizado pelos seus proprietários, seja como afirmação da Nação, seja como promessa dessa Nação. Andámos ‘à caça’ de um ‘edifício político’ que, para além da sua realidade física, pudesse ser encarado como um medium comunicativo carregado de sentido.» De resto, num suplemento de espectacular minimalismo apropriativo – na linha do ready made! – os autores chegaram a parquear a viatura oficial de Helmut Kohl (chanceler entre 1982 e 1990, último residente do bungalow) em frente à entrada do Pavilhão…

Com total savoir-faire, a França esteve também muito bem. Sob o mote Modernity, Promise or menace? Os franceses reflectem sobre a relação entre estabilidade e movimento, procurando não uma síntese mas sobretudo uma cumplicidade entre ambos. Para tal, encaram a arquitectura como apenas mais uma peça no monumental mecanismo do movimento moderno. Nesse mecanismo entretanto globalizado, perguntam-se os Franceses, com toda a propriedade: Como podemos permanecer nós próprios e ao mesmo tempo tornarmo-nos no outro? Para ‘responder’ à questão, o Pavilhão assumiu que no jogo de influências global, a França, mais do que muitos outros países, foi realmente emissora e receptora em simultâneo.

E assim, em vez de procurar uma história linear desta dinâmica – seria um empresa titânica – o que temos foi um bem-humorado set em que presenciamos algumas das contradições mais gritantes na cultura arquitectónica gaulesa. Quatro episódios, apresentados como uma montagem cinematográfica, combinam documentários de época com imagens de filmes de Jean-Luc Godard e Jacques Tati,  assim respondendo-fugindo às respostas ambivalentes da arquitectura face à condição moderna.

Por outras palavras, o pavilhão faz uma interessante síntese entre arquitectura, desenho urbano e cultura visual, como se os tropos escolhidos pudessem ser os necessários e suficientes para definir-se uma ampla e problemática: a Villa Arpel de Tati (objecto de desejo ou máquina de ridículo?); as inovações de Jean Prouvé nos anos 30 e 50, no campo da construção (imaginação construtiva ou utopia?); a política de habitação massificada que, depois da segunda Guerra Mundial, define a paisagem com a sua economias de escala (e monotonia)…

 

 


Franceses questionaram-se acerca das belas incongruências da modernidade.

 

 

Israel, com o projecto Il Urburb – um neologismo para definir o reticulado contemporâneo da expansão urbana – surpreendeu igualmente, e de novo na órbita da instalação. Não escamoteando uma problemática ‘quente’ – o urbanismo da ocupação do deserto em toda a sua urgência militar – Israel soube encontrar uma forma extremamente original – e particularmente sinestésica – de nos transportar experiencialmente para as suas problemáticas específicas, sem que nos sentíssemos manipulados a não ser pela hipnotizante graça da solução técnica: montículos de areia sobre os quais enormes plotters (signos da hubris maquínica-modernista-planeadora) desenhavam (e depois apagavam [!], para voltar a desenhar de novo novos planos…) as suas visões projectadas.

Brilhantemente conseguido enquanto solução expositiva, isto é, enquanto experiência dinâmica do conceito, o espaço expositivo materializou-se como contacto muito directo mas ao mesmo tempo diferido pelo absurdo. O espectador sente-se numa espécie de atelier-estaleiro em que o gesto de apropriação do território é comentado (mas também desmontado) pelas ferramentas tecnológicas ali subitamente deslocadas, em registo claramente performativo.

 

 


Israel propôs uma experiência sinestésica.

 

 

Já a Austrália ‘passou-se’! Augmented Australia sendo tanto sobre o que se constrói como sobre o que não se constrói… A visita ao Pavilhão (uma tenda, basicamente) era essencialmente virtual – mas ao fim e ao cabo não completamente, pois que por perto, num terreno próximo e bem à vista, estava o futuro pavilhão dos Australianos precisamente em… construção); isto é, visitamos o melhor da Austrália por via (como se diz agora) interactiva, graças a uma app que lá nos vai fazendo chegar a ideia de que, tantas vezes, o gesto arquitectónico, e sobretudo o seu acumular tanto físico como virtual, é antes de tudo o mais uma parábola da anarquia. Participação num estilo autoirónico, portanto, mas com menor humor que o dos Russos e do seu Pavilhão replicando o design das feiras comerciais.

Quanto à Roménia ou à Sérvia, estiveram muito bem não tanto nos pavilhões – dignos, mas sem chama – mas sobretudo nas suas eficazes publicações. Aliás, muitos países souberam investir nas suas edições, mesmo quando singelas ao nível dos valores de produção; são essas publicações que vão servir para documentação do trabalho dos arquitectos de todo o mundo, que podem assim confrontar a cultura arquitectónica do seu país com a destes vizinhos mais ou menos distantes. Por outro lado, se é verdade que são publicações que procuram antes do mais conquistar um lugar nas estantes dos milhares de visitantes – e assim, ‘espaço de manobra’ na cena internacional – aqui o desafio de Koolhaas calou mais fundo do que na situação de muitos dos pavilhões que pecam por desajuste entre conteúdos e forma. Ou seja, não é apresentando uns quaisquer video-mappings ou investindo nas ‘novas tecnologias’ acriticamente, que um país pode veicular a informação desejada num território tão competitivo como é o da afirmação simbólica.

Bom, se muitos países foram relativamente previsíveis e conservadores na sua abordagem do problema do que deve ser um Pavilhão na contemporaneidade, neste aspecto a Polónia esteve simplesmente brilhante. Fez uma opção semelhante à da Alemanha: criar um espaço-ambiente-conceito, aprofundando até a questão da relação entre modernismo e política.

 

A Polónia, juntamente com a Alemanha, é um dos poucos países no interior do Giardini que consegue evitar a moda vigente de exibições enciclopédicas, guiadas por dados (leia-se excessivas). Em vez disso, o pavilhão é dedicado a um único objeto: uma réplica em escala real do dossel, projetado por Adolf Szyszko-Bohusz em 1937, que fica sobre a sepultura do polonês militar e líder político entre guerras, o Marechal Jozef Pilsudski.  Aqui, a construção arquitetônica é tratada como uma metáfora para o processo de construção de um Estado moderno: as contradições tanto da arquitetura moderna, como da nação-estado moderna são expressas através do dossel, um objeto reacionário baseado em diretrizes clássicas que sugere uma situação em que se constrói um regime moderno em cima de valores herdados do passado. As ilustrações aumentadas de Jakub Woynarowski que revestem as paredes circundantes explicam a iconografia do dossel e o simbolismo dos elementos arquitetônicos separados –colunas deslocadas do entablamento para enfatizar os elementos individuais do dossel – que representam os países entre os quais a Polónia está “ensanduichada”, e a partir dos quais Szyszko- Bohusz generosamente traslada no seu projeto para o dossel. Isolado, no centro do pavilhão, o dossel só pode ser compreendido entre os ambientes reais e imaginários: ilustrações explicativas, Rússia e Alemanha, e passado e presente.

In Blouin Art Info

 

Numa palavra e mais uma vez como no caso alemão, a instalação é cena e palco de conflitos (na linha de uma actualização da institutional critique dos anos 60), trasladação de problematicidade histórica, tudo activado pelo percurso do próprio espectador à procura dos dados (e não submergido por estes). Para que conste, a equipa curatorial foi composta por Dorota Jędruch, Marta Karpińska, Dorota Leśniak-Rychlak e Michał Wiśniewski
e o conceito artistico foi da responsabilidade de Jakub Woynarowski.

 

 


A narrativa política interpretada pela arte da reconstrução-recriação

 

 

Num registo igualmente sóbrio, e já no Arsenale, o espaço do Bahrein exemplifica uma solução de tensão produtiva entre instalação arquitectural e funcionalidade; no caso apresentando uma enorme, gigantesca biblioteca que alberga milhares de exemplares de um mesmo livro, livro esses que os visitantes podem ir retirando… De resto, o espírito, paradoxal até certo ponto, de quase anónima investigação e da arquitectura como ‘craft’ mais do que como campo de conhecimento teórico passou melhor nestas intervenções seriais e minimais do que nas explicativas-narrativas-retinianas, por mais tecnologia que tivessem por detrás.

 

 


Um país, um livro, uma bibllioteca.

 

 

O Egipto, por exemplo, hesitante entre informação e imersão video, caiu na mesma irrelevância que alguns colegas expositores; mostrar arquitectura através de imagens em movimento, em espaços sem o genius adequado, ou cujo genius não integra adequadamente o discurso da imagem. Em suma, o que Israel, Alemanha ou Bahrein tiveram em comum foi a perspectiva de que, no meio de tanto excesso de conteúdos, apenas se vê realmente quando há ‘pouco’ mas ‘limpo’ e ‘físico’ para ver, ou não fosse esse redução exactamente a operação necessária e suficiente para colocar a metáfora ao serviço do nosso desejo de saber mais e entrar em diálogo com a narrativa em causa.

É finalmente isso que nos leva até Chipre, um relativamente pequeno primeiro andar alugado na cidade. Aí, a questão da participação e da interactividade foi resolvida na medida em que se ultrapassou a distância que é preciso superar para que um acontecimento estético ressoe em nós. Lê-se no PR de Anatomy of the Walpaper: A história de Nicósia é apresentada como uma alegoria, uma retrospectiva criativa que consiste em camadas de papel de parede [wallpaper] representando a complexa identidade nacional sob a forma de collagens. Os visitants do pavilhão são convidados a escavar o cadaver arquitectónico e a explorar as camadas ocultas da exposição, continuamente em mudança, e a revelar a sua própria história.

Na prática, a cada espectador era dado, à entrada, um x-acto; e assim oferecida a oportunidade de levar consigo à saída um pouco do próprio espaço expositivo, isto é, uma camada ou várias de uma cidade-miniatura feita de infindáveis colagens de elementos e pormenores urbanos, construída no ambiente interior do humilde espaço expositivo (sobretudo se comparado com os pesos-pesados da Bienal).

Em suma, e sob a batuta dos jovens curadores Michael Hadjistyllis e Stefanos Roimpas,  Chipre foi um pavilhão minúsculo com a capacidade de ter criado a sua própria duração e, o que é de realçar, capaz de levar para casa uma Menção Honrosa (o Leão de Ouro para os Pavilhões Nacionais foi para Angola):

 

O papel de parede [Wallpaper] realça a natureza da História como algo que se sobrepõe a um elemento imaterial e intangível. A forma da abstracção, libertando o espectador para lá do exame dos elementos que compõem a arquitectura, torna-se perceptível. Com a passagem do tempo, novas camadas físicas são inseridas no Papel de Parede, e portanto, a sua forma mais antiga, desmaterializando-se e descorporizando-se, transmuta-se numa barreira física.Esta compreende a espessura, por sua vez compactada em muro e finalmente em Espaço. Ao apresentá-la de forma simplificada, enquanto narrativa de uma estória (em que não existem nomes, tempo ou lugar), procurámos dar prioridade às ideias e aos conceitos. O Papel de Parede é parcialmente apresentado e examinado à escala real, na sua forma crucial. À medida que for descascada, dará aos visitantes a oportunidade de desvelar diferentes histórias do tempo, ou diferentes versões de uma mesma história.

 

 

 


X-acto em punho, toca a participar! - Imagem de Wallpaper Anatomy 

 

 

 

 

Quanto a Portugal não esteve mal. Nem bem? Ou pelo contrário? A solução de levar um projecto editorial e operação media a condizer – a produção de um jornal distribuído extensivamente também no espaço público– não deixa de mostrar uma outra forma reagir estratégica- e sobretudo tacticamente ao desafio de Koolhaas. Homeland foi assaz visível e eficaz, quando sabemos que aquilo que muito do público da Bienal mais quer é recolher informação escrita (catálogos, folhetos, todo o tipo de edições e quanto mais híbridas melhor… – do mini-Reader (sobre a) Tailândia ao o jornal ‘farrabeco’ do Montenegro, passando pelos souvenirs ‘faça você mesmo’ que trazemos de Chipre… é também de papel que se faz a posteridade da Bienal.

Ora, apesar do design impecável de Jorge Silva, pairou sobre este singelo ‘pavilhão’ uma suspeição: o investimento do Estado nesta operação ganharia em ter tido outra escala e complexidade para além da ideia – que mesmo assim, reitere-se, foi mais do que apenas ‘engraçada’? A reter, em resumo, uma imagem de país com uma comunidade de arquitectos cuja cultura arquitectónica está consolidada e se mantém irreverente, com uma capacidade de se superar – nos dias bons – e às dificuldades, come what may. A ler vamos, que a relação entre Portugal e a (sua) Arquitectura permanence, essa, no mínimo, um equívoco.

 

 


Portugal. Extra! Extra! Read all about it!

 


 


 


Arte Pública no Palazzo Franchetti…


a Luz no Palazzo Bembo

 

Public art is not subject to controlled conditions; its viewers are not required to behave or respond in a manner encoded by the architecture of designated art spaces. It may face ambivalence; equally it may offer delight, intrigue, a perspectival challenge to prevailing and sanctioned narratives.

Shumi Bose

 

Não só de Arquitectura se tecem os dias em Veneza. No vai-vem espacial que é atravessar o Grand Canal havia um momento que se destacava, sempre o mesmo. Ao Palazzo Franchetti, a exposição «Genius Loci [Spirit of Place]» comunicava com o entorno através de duas peças bastante particulares. Uma assemblagem de ‘bicicletas’ de Ai Weiwei tinha a função de marco urbano, emergindo dos jardins do Palazzo Franchetti com a autoridade da acumulação-seriação (1179 bikes…) e um todo ‘edificado’ de segundo grau que não poderia falhar, dada a vernacularidade do objecto em causa: as bicicletas ‘Forever’ que são marca d’água da China desde 1940…

 

 


Ai Weiwei. Uma escultura-marco para transeunte ver (de longe).

 

 

Outra peça, de Julian Opie, mostra como a arte (pública) pode funcionar, com ironia (mais ou menos fina), em termos de sinalética urbana. Isto porque o vídeo deste artista, como as suas outras peças sempre num movimento perpetuamente reduzido ao absurdo de ‘não ir a lado nenhum’, foi instalado num acesso exterior do Palazzo, junto à água. Ou seja, com a função de figura de convite digital e dinâmica, mas evidentemente disfuncional – ou funcional a outro nível. Claro que podemos então perguntar-nos: este grau de ironia redundará num acto de comunicação que é ao limite absolutamente fútil e apenas uma questão (sempre curatorial) de tirar partido da arte no sítio certo para a vender melhor?

Ambas as peças interpretaram em todo o caso e muito bem o espírito da coisa – na verdade trata-se de uma exposição que procura dar da arte pública uma ideia relativamente fresca; no fundo, da arte pública como plano simbólico que nos oferece tão só uma oportunidade para nos identificarmos coma paisagem – e nisso empreendermos um caminho até ao não-lugar-interface que é a arte, e daí até à sua essência contextual.

 

 


Arte que não vai a lado nenhum.

 

 

Tudo isto está patente numa disposição um nadita ‘secante’ que tanto apresenta esculturas – trabalhos de Joana Vasconcelos ou Anish Kappoor que funcionam como modelos ou amostras do que destes artistas vamos vendo pelas cidades do mundo; como apresenta obras e processos numa lógica de exposição documental – por exemplo o notável trabalho de Santiago Sierra, caso da extraordinária peça No Global Tour.

Tal hibridez não ajuda a exposição a ser toda ‘bonita’ e muito menos ‘sublime’, mas uma visita demorada é informativa acerca da arte pública como exercício sobre a lógica do lugar. No exterior, peças de Heinz Mack ou Daniel Buren, pelo seu trabalho sobre a Luz local – a forma como integram a luz de Veneza – são particularmente subtis e dão da arte pública uma ideia bem mais delicada que a de dispositivo de comunicação (à escala urbana) e político (em sentido óbvio).

Entretanto, não longe, no Palazzo Grassi, a exposição «l’Illusione della Luce» prometia muito: Robert Irwin, Doug Wheeler, Dan Flavin, Marcel Broodthaers… Mas, ou eu estava em dia-não, ou a montagem está de tal modo atabalhoada e sem chama que aquilo que poderia ser uma ampla reflexão sobre um dos problemas fundamentais da arte e da estética– a Luz – redunda numa visita sem interesse, tão institucionalizada quanto preguiçosa. Disto não estava à espera, num Palácio em que usualmente nos preparam lautos manjares artísticos.

Mas sigamos para o Palazzo Bembo, a caminho da exposição ‘Time, Space, Existence, organizada pela Global Art Foundatioun e com curadoria de René Rietmeyer. A lógica deste tipo de mostras é a de uma apresentação de inúmeras experiências de valor que se vão fazendo mundo fora, e que assim tiram partido do cenário-acontecimento que é Veneza para se apresentar.

 

 


Ao Rialto, um Palácio todo ele janelas para a arte.

 

 

Havia peças que funcionaram como modelos de obras por realizar, participações que eram pequenos pavilhões completíssimos na abordagem de determinadas posições perante o projecto e claro, instalações na esfera da arte, apostando na emoção estética. A reter, a título de exemplo, o ‘cubo mágico’ «N-Light Membrane’ de Numen/For Use, uma peça de luz cinética que… ‘só visto’:

 

 

… ou ainda o statement ético de Nickl & Partner Architekten, com menos que Dez [mui sensatas] Teses sobre a Arquitectura Curativa [10 Theses On Healing Architecture] – basicamente uma sala propondo dez ideias para tornar a actividade da arquitectónica mais sustentável social e ecologicamente

… ou a participação do arquitecto Jérôme Jaqmin, focando-se em apresentar, através de uma video-montagem e de uma maqueta, um único projecto, o seu conceito geopoético para um ‘palácio de eventos’ na China.

… ou finalmente o exercício extremamente original de General Architecture e da empresa Folkheim que apresentaram toda a filosofia por detrás dos seus belíssimos projectos de enormes edifícios em madeira (!) – caso de uma impressionante (de tão singelo e ao mesmo tempo tão assertivo) Cedar House, que quando for concluído será nada mais nada menos que o mais alto edifíco em madeira de todo o mundo. Entre visão e craft (ambas rigorosamente sustentados uma no outro e vice-versa), ele há cada paixão…

 

 


Jerôme Jaqmin, Swirl of Mist, um sonho húmido nos pântanos da China. Visualização.

 

 


General Architecture / Folkheim. Cedar House. Visualização.

 

 


A vista da varanda do Palazzo Bembo.

 

 

Ora a paixão de Alessandro Lupi é pela… Luz. A convite da GAAF, e com patrocínio do Projecto Travessa da Ermida e o apoio da ESAD.cr e da Palavrão em Caldas da Rainha, o italiano baseado em Berlim ‘furou o bloqueio’ de uma mostra quase exclusivamente de arquitectos e apresentou uma peça especificamente dedicada à problemática conjunta do espaço, do tempo e da existência.

Se a obra de Alessandro Lupi é elaborada sobre uma subtil bricolage da percepção que organiza o desajuste entre a expectativa do acontecimento plástico e o assunto ele mesmo […] não se trata aqui de uma dialéctica, mas de uma atenção dialogante e elíptica – entre a arquitectura e a intervenção plástica, entre a tecnologia e o gesto, entre o fazer artístico e a história de arte. A citação é do Press Release de um projecto que, mais uma vez, é caracterizado por uma simplicidade técnica desconcertante (fios de lã iluminados por luz negra…); e que por essa via dá à curadoria do espaço como a entendo a possibilidade de promover uma imaginação nómada como a de Alessandro. Fica assim fechado (com chave de luz negra) este itinerário veneziano. Au revoir! Auf widersehen! Dobranoc!

 

 


Alessandro Lupi – Luz negra e magia branca. Foto: John Hill/World-Architects.

 

 

Fotografias (excepto onde indicado): Agata Wiorko
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