Tudo começou por volta de 1990, algures entre a antiga fábrica da Matel, os banhos de sol na Foz do Arelho, os cafés e as praças das Caldas: incrédulos, os caldenses abriam nesse decisivo momento as portas às mais insólitas hordas de bárbaros criativos, oriundos de Norte a Sul do país, numa reviravolta que transformaria para sempre o destino das Caldas da Rainha enquanto cidade.
Caldas Late Night 15 por Nuno Conceição
Desde a implementação da ESAD.CR (então ainda ESTGAD) nas Caldas – cuja escolha geográfica se deveu sobretudo à sua tradição de cerâmica artística – temos vindo a assistir a alterações profundas na dinâmica cultural da cidade, entre as quais se contam a transladação da Escola às actuais instalações, a criação e o amadurecimento (ou decadência – as opiniões divergem) de um dos mais peculiares eventos artísticos do país – Caldas Late Night – ou a ocupação dos antigos silos de moagem de cereais, um edifício incontornável de rara beleza industrial, localizado mesmo no centro da cidade, e recentemente convertido em nicho de projectos artísticos.
Projecto Seres nos Silos por Olho de Vidro
Contam as paredes da cidade como nos primeiros anos da ESTGAD se viviam momentos únicos e impensáveis, tempos em que a arte não era mais uma matéria que se aprendia na escola, mas antes uma realidade quotidiana e palpável, que se respirava e se sentia sempre e em todo o lado, tocando tudo e todos os que pelas Caldas passavam. As dimensões reduzidas da cidade e o facto dos circuitos serem os mesmos ajudaram talvez também ao desenvolvimento deste clima esdruxulamente criativo e ao impulsionar de toda uma geração de artistas, cuja principal palavra de ordem era “Faz!”.
Instalação no WC da ESAD.CR por Ricardo Brito
E embora o panorama hoje em dia seja outro – bastante mais institucional e uniformizado segundo consta – a ESAD e as Caldas continuam ainda assim a produzir alguns dos mais promissores artistas nacionais, bem como interessantes projectos nas áreas das artes plásticas e performativas, do design, dos audiovisuais. Nascida em 2010 das vontades de José Fangueiro e Sara Gonçalves (ambos ex-alunos da ESAD.CR) e integrada na cultura bacteriológica-artística dos Silos, a produtora audiovisual Olho de Vidro tem desde a sua criação vindo a ser o olho no céu que regista e potencia o que de mais importante se passa no quotidiano cultural destes artistas e projectos.
Showreel da Olho de Vidro
Parceiro da Viral na concepção do seu vídeo de arranque – “V de Viral” – a Olho de Vidro tem nestes 2 anos de existência produzido filmes promocionais para eventos como as exposições Falha e Joio, ou o festival Lumina em Sintra, dedicando-se ainda à cobertura de eventos como a inauguração da loja Steppin Stone e da associação Bixo Mau, ou as festas Super Pop @ Parqe (nas Caldas) e CLUB447 Deluxe (no Porto). José Fangueiro realizou ainda recentemente a curta-metragem “Última Gota no Oceano, que foi apresentada em 2011 no festival internacional de cinema Curtas Vila do Conde.
V de Viral por Olho de Vidro
Opiniões à parte, o ambiente e dinâmica das Caldas da Rainha, enquanto cidade e local de produção artística, mudou radicalmente durantes estes últimos 22 anos. A perda progressiva de características únicas e essenciais está implícita na natureza de quase todas as subculturas e fenómenos underground de sucesso, visto que na maioria dos casos este conduz inevitavelmente a um alargamento do espectro e à massificação de algo que por definição se quer minoritário.
Projecto de Serigrafia e Edição Galdéria
Para melhor ou para pior, a cidade continua a brindar-nos com locais fervilhantes – como o Centro da Juventude, o CCC, a Casa Bernardo, o Maratona, o Demodé, o Charrua, o Ilha, o Parqe, o Pópulos, a GloryBound Tattoo Parlor, a Praça da Fruta ou a antiga Praça do Peixe – arrojadas iniciativas artísticas – como o Atelier Arte e Expressão, Origami, Electricidade Estética, Vicara, Galdéria, Super Gorrila, Palavrão e A062 – ou inspirados projectos musicais – como os Lauro Palma, Beatbombers, Caldas Handsaw Massacre ou Memória de Peixe – Podíamos continuar por linhas e parágrafos indeterminados mas, se não conhecem, o melhor mesmo é darem lá um salto e sentirem o cheirinho a tinta fresca com os vossos próprios narizes.
Caldas Late Night 15 por Francisco Paramos