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Viagem a Itália – Itinerários Postais IV

Mário Caeiro
A propósito de uma visita à 55.ª Bienal de Veneza – aberta ao público até Novembro – aqui fica o capítulo IV de notas soltas para quem queira passar por Itália nos próximos tempos. É um brevíssimo itinerário de highlights pessoais, sem outro objectivo que o de cartografar um circuito possível; da mais surpreendente arte pública contemporânea a musts patrimoniais que vale sempre a pena rever (pelo menos de x em x anos), passando por atmosferas urbanas e tradições de cortar a respiração. (Ler capítulos I, II e III)






Itinerários Postais IV

 

Veneza. Palácios enciclopédicos e colaterais


A caminho da Serenissima, na bagagem outro livro particular, este mais recente. The Shakespeare Guide to Italy – Retracing the Bard’s Unknown Travels. É toda uma outra maneira de voltar a olhar o espaço de Itália, a partir da lente que são os dramas e as comédias de Shakespeare ali passados. O autor, Richard Paul Roe [1922-2010], andou mais de duas décadas a calcorrear os espaços em que Shakespeare (ou alguém por ele) localizou os seus plots, investigando com sucesso muitos dos locais exactos que são referidos em celebérrimos clássicos como Romeu e Julieta, O Mercador de Veneza ou A Tempestade. O livro vem com mais de 150 mapas, fotografias e ilustrações antigas, com um efeito bem provocatório para quem pensava que já tudo foi escrito sobre O Bardo. O que importa é que, assim, a literatura cartografa o real e vice-versa, criando um plano anacrónico de caracteres, o que é absolutamente delicioso na perspectiva de um turismo alternativo e motivado pelos grandes autores, capazes de contaminar o real com o ritmo da literatura. Digamos que é um mais que bom complemento à já quase massificada Veneza de Corto Maltese. Mas adiante, que o frisson de l’art contemporain nos assalta.

 


Stingel no Palazzo Grassi: 5 000 m2 de tapetes fabricados a ... impressão digital.

 

A Bienal é um mundo. O bom, o mau e os vilões passaram por cá na abertura oficial, em Maio; até Novembro já há-de estar o ambiente em relativa descompressão. Os dados, entretanto estão lançados, pois o ‘passa-palavra’ no campo da arte já estabeleceu os vencedores. À parte os oficiais – uma (dizem) sólida participação Angolana – a Bienal é sempre a uma primeira leitura um conjunto de imagens que, sendo visualmente apelativas, muitas vezes não passam da mera impressão retiniana.

Não será certamente o caso de S.A.C.R.E.D de Ai Wei Wei para a Igreja de Sant’Antonin, em que um episódio crucial da vida do artista é metamorfoseado em libelo crítico pela liberdade, ali mesmo a dois passos dos Carpaccios da ‘Scuala Dalmata’ de San Giorgio degli Schiavoni. O artista ‘amarelo’ por excelência pensa a China contemporânea mesmo ao lado do homem dos vermelhos (e brancos) mais intensos da história da pintura – daí o termo ‘carpaccio’ para o prato homónimo, inventado nos anos 50... São enormes caixas-túmulos-teatros-miniatura, ocupando a nave da Igreja, com cenas estáticas no interior, para o qual podemos espreitar, lá está, enquanto voyeurs impotentes entregues à nossa (tímida) consciência e (apenas esboçada) empatia. Quanto a Carpaccio, realizou esta miraculosa série de 7 pinturas narrativas entre 1502 e 1507; outros tempos, claro, mas as pinturas ainda lá estão, imperturbáveis, à espera de todas as globalizações.

 


Ai Wei Wei e seus guardas, ou a China em bonecos, ao espelho. Carpaccio na ‘Scuola Dalmata’, ou a Itália dos imigrantes em pinturas laicas.

 

 

E Rudolf Stingel no Palazzo Grassi? Visualmente impressiva, a primeira exposição de um artista individual a ocupar o enorme edifício pareceu-me... obtusa, se bem que agradavelmente... incompreensível. Mea culpa. Isto para dizer que, apesar da intrigante imersão nestes tapetes persas a jacto de tinta (voilá!) serão outros os ‘meus’ vencedores, a começar pelo Palazzo Enciclopédico da 55.a BV, exposição que deu cartas ao nível do fôlego conceptual.

 


Rudolf Steiner, ilustração para conferência.

 

Nos Giardini, a exposição central é/foi magnífica. Primeiro porque o tema é complexo, impossível de abordar a partir da confortável posição da superficialidade. A exposição é exigente para o público e transporta-o para uma dimensão processual da arte muito próxima da loucura. E da Visão. Estão lá Jung – o célebre Red Book e suas ilustrações místicas –, Rudolf Steiner e seus diagramas antroposóficos, e tantos outro arautos de um horizonte interior habitado durante décadas, por vezes sem que o chamado ‘mundo da arte’ se apercebesse. Eva Kotátková por exemplo, dissecando incansavelmente os mecanismos da loucura do ponto de vista de uma arqueologia do quotidiano emancipatória...

 


Eva Kotátková. Escadas, gaiolas, manequenis miniatura. O mundo das formas mentais.

 

Ali na mais antiga Bienal do mundo, o sangue, suor, lágrimas, vitórias, feitos e resistência destes artistas apela ao nosso mais profundo respeito. Parabéns à mui jovem curadoria de Massimiliano Gioni. A mostra termina de resto com Walter de Maria, muito bem metido no final do discurso para abrir o debate a partir do nada do minimalismo mais irredutível.

 


Fechar o circuito expositivo com uma peça muda. Walter de Maria.

 

Na esfera dos acontecimentos paralelos, e quanto aos pesos-pesados em termos de mostras colectivas, impossível não destacar um verdadeiro acontecimento na história da arte contemporânea: a reprodução 1/1 de When attitudes become form (Berna, 1969) sobre o Palácio da Fundação Prada (2013). Entre a impossibilidade (de reproduzir um acontecimento histórico da arte) e a necessidade de o fazer retoricamente (na figura inovadora do re-enactment) para memória futura, a mostra é espectacularmente simples, o que não espanta dada o envolvimento e parceria entre o curador, Germando Celant e arquitecto, Rem Koolhaas. Brilhantemente, didáctica, en plus, arte conceptual, ambiental e poverella quase que teima em não passar... de moda.

 


Para as atitudes tomarem forma em 2013, um ‘edifício’ (a disposição original das peças em 1969) foi vertido noutro (um palácio em Veneza).

 

 

Numa escala diferente mas com uma capacidade de interacção com o público tão ou mais evidente, destaque-se a intervenção de Pedro Cabrita Reis no Palazzo Falier. Cabrita toma conta de um edifício tão belo quanto singelo para alimentar a totalidade do elegante espaço com uma instalação que se apropria das passagens entre salas – mais que apenas das salas em si – de uma forma que nos conduz à experiência quer da luz, quer da matéria – de uma forma que, em vez de afirmar a mais remota ideologia, nos liberta para a presença da arte como reduto do fazer.

Ao nível das exposições individuais, um must. Como quase sempre em Cabrita, a peça é um dispositivo de apropriação performativa em que o desenho (a peça é obviamente fruto de um trabalho prévio a partir da planta e alçados) com ressonâncias cognitivas (na hipótese de a arte ser a modalidade maior do humano habitar o mundo). Soa complicado, mas é simples: a estrutura em metal e lâmpadas ‘serpenteia’ entre as divisões e ao iluminar artificialmente as paredes antigas cria uma inusitada tensão entre o que parece e o que é: somos mais uma vez iluminados pelo gesto pictórico (a luz) que se desdobra em subtileza arquitectural (a estrutura). Os detalhes de encenação – pinturas e outros objectos discretamente misplaced all around – são gesto apenas possível em quem já domina de tal maneira o material expositivo (objecto, parede, solução lumínica, circulação do espectador) que se dá ao luxo de ‘brincar’ com a ambiguidade do ornamental (apontamentos de found objects carregados de humanidade e biografia – vide os impermeáveis... amarelos).

 


A remote whisper. Cabrita ou o anacronismo low-tech do engenho.

 

Se o minimalismo fosse sempre assim... performativo, intrusivo, participado, activo. Formalmente – a atitude de Cabrita a tomar forma – os acabamentos remetem para uma vertente low-tech que calibra a irreverência do nosso Pintor face ao academismo que esta cidade como que impõe aos seus convidados. Em suma – savoir faire e wit formal que fora ao encontro a um merecidíssimo destaque que os media deram, a esta que se revelou sem dúvida uma das principais expos colaterais.

 

 

Pavilhões canais afora


Na cidade que jamais se deixará afundar (acaba de ser feito o primeiro teste à futura barreira contra inundações, um projecto de engenharia monumental), rememore-se ainda as participações de Eslovénia (Jasmina Cibic) e Estónia (Dénes Farkas).


Cibic: estamos entregues aos bichos ou a estranha história de um cientista que adorava Adolf...

 

Foram tão competentes, densas e incisivas quanto o Zimbabwe e a Costa Rica singelas, escorreitas e honestas. Ah! E Cuba! Que dá também cartas, ao decidir interagir a arte contemporânea com os excepcionais conteúdos e localização da Museu Nacional Arqueologógico na Praça de São Marcos. Portugueses, participam Rui Chafes e Pedro Costa. Chafes coloca as suas esculturas de uma forma que, em vez de as reduzir a objectos que se acrescentam, acriticamente, aos existentes, convivem a partir do ponto de vista de uma certa distância; na prática, as peças são colocadas a um nível superior e, ao mesmo tempo que desaparecem do olhar fortuito, estabelecem um plano de meta-reflexividade que assenta em algo tão simples como a posição do pescoço que temos de assumir para realmente apreciar as formas e as sombras.

 


Onde está a escultura? Chafes.

 

Pedro Costa decide interpelar as silenciosas figuras clássicas com os rostos (também?) eles mudos de Minino Macho-Minino Femea (2006). O evidente tem destas coisas: não é por sabermos que ontem e hoje somos os mesmos humanos que não devemos ser lembrados de que na realidade não o somos. Em todo o caso, a urgência do humanismo aggiornato de Costa – pós-pós-sei-lá-o que-for-preciso – entra aqui em diálogo com o classicismo, que por sua vez, nesta ressonância tão específica, recupera o seu sentido (talvez) último: um modelo para lidarmos com/na tragédia. Em Pedro Costa, é assim que o sublime dá espaço à graça. De novo é a instalação/adaptação ao espaço – o exhibition display – a ditar uma harmonia transepocal, e aqui com a presença humana – os rostos das Fontainhas em diálogo com os corpos do Classicismo – a jogar de novo em múltiplos planos de contraste: as estátuas ‘contra’ o video, o corpo harmónico contra o rosto desfigurado pela fome. Uma stessa dignidade é filtrada pelo véu da arte de cada tempo. Uma brilhante montagem em suma – feita aliás com apoio dos nossos amigos do Bazar do Vídeo.

 


Caminho longe. Costa.

 

Mais pavilhões. Argentina (Nicola Constantino): experiência video e multimédia que se desdobra em espaços surpreendentes de empatia com a figura mítica de Eva Peron; Líbano (Akram Zaatari): elegantíssima manifestação da bondade, sob a forma de um documentário instalação que conta/romanceia videograficamente a história verídica de uma piloto militar que se recusou a bombardear uma escola. Chile (Alfredo Jaar): brutal metáfora da condição da própria Bienal por um dos artistas mais inteligentes a lidar com o karma (parefraseio Steiner!) social. A Suíça (Valentin Carron), com uma simplicidade na montagem que é a única lição possível de contrapor à ironia contra(meta)espectacular do Chile... em contraste, Uma França (Anri Sala) – instalada no Pavilhão Alemão! – que consegue tantas vezes esse equilíbrio chic entre a mais arrogante tecnologia para épater les bourgeois e um profissionalismo high tech que nos obriga, sem dúvida, a dar todos os créditos à ideia, ao conceito, à forma sublime. Estava capaz de me ajoelhar de novo.

 

Bélgica, para além do chocolate


Mas não. Porque a destacar uma obra da 55.a edição da Bienal, seja a de Berlinde de Bruyckere, no Pavillhão da Bélgica. É a obra que reteremos para sempre entre os miasmas da nossa própria vida, essa que habita não apenas a imaginação e o desejo, mas a própria carne do tempo que passa. A peça é basicamente uma monumental árvore dobrada e ensanguentada nas suas articulações, qualquer coisa de monstruosamente belo. Qualquer coisa como uma metáfora moribunda e por isso maravilhosa e tenuamente viva, na medida em que de trata de uma árvore-cidade-como-nós-como-Veneza-como-o-mundo... enferma, no limite das suas últimas forças vitais. É um trabalho escultórico, toda ele escultura e simulacro (ceras modeladas realisticamente), mas também de luz, elogio da obscuridade e do contraste no dispositivo visual que assim entrega à nossa imaginação um tempo para o habitar de pensamentos emergentes. No catálogo, texto(s) de um diálogo com Coetzee, o que quer dizer muito sobre as afinidades electivas em causa nesta peça.

 

 

Saiamos. À entrada dos Giardini, o Cacilheiro de Joana Vasconcelos apregoa o fado. Jogada de marketing preciosa, sucesso enorme junto do público internacional, acabei por não conseguir apanhar o barco. Chiuso.

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