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Viagem a Itália – Itinerários Postais III

Mário Caeiro
A propósito de uma visita à 55.ª Bienal de Veneza – aberta ao público até Novembro – aqui fica o capítulo III de notas soltas para quem queira passar por Itália nos próximos tempos. É um brevíssimo itinerário de highlights pessoais, sem outro objectivo que o de cartografar um circuito possível; da mais surpreendente arte pública contemporânea a musts patrimoniais que vale sempre a pena rever (pelo menos de x em x anos), passando por atmosferas urbanas e tradições de cortar a respiração. (Ler capítulos I e II)


Those who are truly contemporary, who truly belong to their time, are those who neither perfectly coincide with it nor adjust themselves to its demands. They are thus in this sense irrelevant [inattuale]. But precisely because of this condition, precisely though this disconnection and this anachronism, they are more capable than others of perceiving and grasping their own time. — Giorgio Agamben

 

 

Itinerários Postais III

 

O que é fascinante em Itália é deixarmo-nos transportar para um tempo materializado em layers não apenas visíveis, mas também palpáveis, vivenciáveis. Na companhia d’A Arte Italiana de Chastel (Art Italien), complemento indispensável do habitual guia turístico, alimentemos então esse desejo profundo de, na pura efemeridade da viagem, vivermos um passado longínquo a partir da sua beleza não apenas intemporal mas propriamente anacrónica, isto é, contemporânea.

Na prática, trata-se de, nos espaços cuidados dos núcleos históricos, pequenos e maiores, mais e menos monumentais, nos entregarmos ao devaneio de procurar referências culturais e artísticas para a beleza sensual de uma forma urbana cujas nuances apelam aos nossos sentidos, no imediato da vida. E não é o magote de colegas-turistas – movimento migratório como os outros – que destrói a experiência (aliás, os turistas vestem-se todos de igual – t-shirt e calções – e a dada altura são apenas uma massa amorfa que, comportando-se com gestos idênticos, câmara em riste e mapa em punho, gelado na mão e alinhados em filas para a fatia de pizza, se tornam figurantes semi-invisíveis na paisagem). O colorido que aportam à realidade local é inócuo.

 

De Modena a Bolonha: vazio e alturas


Claro que, onde os turistas escasseiam, como no centro de Modena num tórrido domingo à tarde, é impossível não vermos ali mesmo, em 4D, menos a vida de hoje e mais uma Itália imaginada e abstracta como as arquitecturas nuas de Chirico. Eis como o surrealismo metafísico (whatever) se transforma em método cognitivo para captar a essência do espaço urbano. No caso de Modena, eis como o olhar filtrado pela arte confere a estas esguias arcadas um mistério de que não queremos saber a origem. Eis como uma praça vazia se transmuta em terreiro para a alma.

 


Domingo de Verão em Modena, fotografia de 2013. Primavera em Turim, pintura de 1914.

 


Estas mesmas-mas-já-outras arcadas havemos de as ver e visitar em Bolonha, cidade cujo skyline é tão imaginário e mítico quanto actual.

Se formos às visualizações feitas ao longo dos séculos e hoje publicadas em fascinantes livros ilustrados, ficamos a saber que de uma panóplia delas sobram hoje apenas Duas Torres que continuam a ‘beijar o céu’: Asinelli e Garisenda. Subindo à inusitada construção da mais alta, frágil e no entanto dizendo todos os dias que há-de resistir a tudo, sentimo-nos ligados a algo de profundamente anacrónico na evolução da Arquitectura: a conquista vertical do espaço ao serviço de (auto-)imagens de poder. Entre os escombros da húbris construtiva que foi castigada pelos séculos, ela ergue-se!

 


Tanti torri! Torres Asinelli e Garisenda, fotografia de 2013. Bolonha medieval, gravura de 2012.


 

Across Italy, seja onde estivermos, portanto, é preciso estarmos sempre em jogo, nesse jogo exclusivamente urbano de identificar os sinais da produção artística como produção de conhecimento sobre o humano e o social. Há que fazê-lo apaixonada- e criticamente (paradoxo apenas aparente), numa paisagem simbólica dominada pelos faustos escombros da soberba católica – estou a ler Galimberti, peço desculpa pela força laica da expressão! Já agora, para ouvir o pensador por suas próprias palavras:

 

 

Entre tantas arcadas, torres, praças e igrejas, lá está; estar em jogo é procurar encontrar em cada situação o pretexto para nos envolvermos com um factor estético que possa ser decisivo no agora da percepção; algo que façamos nosso; o factor que faça valer a pena viajar para além dos discursos fixos do Turismo de massas e dos lugares e mentiras comuns. Cá fora, como nos riquíssimos museus, claro, muitos pedaços de cidade por onde passamos testemunham por outro lado o seu abandono. É o abandono que lhe votamos enquanto cidadãos – quase a contragosto, pois nunca deixamos de ser também de um Tempo Antigo – em favor de um tempo de possibilidades sugestivas mas extremamente frágeis (ontem o consumo, hoje o bem-estar e a democracia, ilusões porventura u-tópicas). Será este o fascínio de trabalhar em Itália a Arte Contemporânea (como vimos no artigo passado, com Cattelan; como havemos de ver em Veneza).

Um desafio imediato pode ser o de observarmos como uma fachada pode ser ao mesmo tempo imponente (a autoridade religiosa no esplendor da sua pressão sobre o quotidiano de épocas anteriores) e uma suavíssima companhia em mármore (dada a sua beleza quase carnal que hoje subsiste e nos interpela). No nosso tempo, em que os écrans LED de cores vibrantes tomaram ‘definitivamente’ conta da nossa atenção distraída, temos de ter redobrado cuidado em procurar os detalhes redentores. E estimular a multiplicação dos sentidos por forma a apreciar na cidade a leveza da pedra! Eis portanto um modelo quase performático para arrancarmos os edifícios às malhas da História e, sem deixar de nele reconhecermos os traços dessa história (identificando estilos, regionalismos, particularidades dos materiais, momentos históricos, identidades de fundo), nele procurar a hipótese da participação, hoje; é a única atitude realmente resiliente que podemos ter perante o capitalismo cognitivo, em alta resolução e xD que nos tenta rodear, também, claro, na viagem lúdica.

 


Ainda Modena. Respect!


 

Florença, milagre


Tomando as cidades como imagens que são (Kevin Lynch), não esqueçamos que a beleza de Itália é talvez, acima de tudo, a beleza da estética como expressão sublime do pensamento. E se nos mestres do final da Idade Média e na transição para o Renascimento, que infelizmente estamos habituados a ver apenas e só por via de reproduções digitais googladas, tenha estado afinal o nascimento da própria estética como a entendemos hoje? As imagens como manifestação divina, é mais ou menos isso o Milagre de 1400 (que aconteceu, claro, em várias fases e regiões), em Itália (e Florença em particular). Essa Fiorentinabella que cedo aprendeu a cuidar de si própria, desde logo ao nível da qualidade da vida urbana, assumindo num tempo record um papel de farol da criação artística mundial. Milagre de cultura, isto é, ideias, economia, craft, técnica, vontade... e artistas: os animadores da escultura, Donatello, Ghiberti, di Banco, Michelozzo; os pintores, Masaccio, Ucello, del Castagno, Lippi... todos eles redesenhando um horizonte fulminantemente partilhado por todas as classes sociais.

Ora visitar Florença é tomar contacto, in loco, com instantes sublimes daquela aventura intelectual, um Rinascimento em que as artes plásticas estiveram por uma vez no coração de uma sensibilidade radicalmente inovadora. A new mood. Uma exposição extraordinária (já fechou portas, em Itália, para estar patente no Louvre até Janeiro de 2014), cujo catálogo é outro pequeno monumento, fala disso mesmo, de uma forma magnificamente didáctica. Colocando lado a lado, interdisciplinarmente, os avanços decisivos primeiro da escultura e logo a seguir da arquitectura e da pintura e das artes decorativas em apenas 60 anos (!!), no momento impressionante a que os curadores chamaram A Primavera do Renascimento [The Springtime of the Renaissance. Sculpture and the Arts in Florence 1400-60].

Na miríade de retábulos, frescos e arte aplicada de que Itália é fiel depositária – e muitos ainda estão nas igrejas para onde foram concebidos, isto é, num ambiente edificado cujo anacronismo subsiste –, ocorre-me um exemplo de génio anacrónico particularmente impressivo nessa Florença atulhada de turistas em fila para percorrer os Uffizi ou, no melhor dos casos, para viver langorosamente uma Idade Média intocada em San Miniato al Monte. Na Capela Brancacci, obra começada por Masolino e Masaccio e concluída por Lippi, que sem dúvida consistiu, à epoca da sua criação, numa fabulosa instalação (‘vídeo’-)imersiva, é de facto cinemática – e não apenas teatral – a majestosa continuidade dos corpos humanos. Imagino os crentes (mas também os cínicos) na época a interpretar as imagens que os chamavam, ao mesmo tempo estáticas e extáticas, magnificamente claras no enunciar de um programa ideológico que no entanto era preciso habitar de emoção.

Aqui, neste gigante teatro pictórico – diante dos nossos olhos que hesitam entre tentar apreender o todo das cores e da geometria, os detalhes de expressão do espírito e o sentido último do conjunto espectacular (que nos foge pelo simples facto de não estarmos dentro dos códigos de outra época [mas alguma vez estamos dentro da totalidade dos códigos de cada época??]) – só não se justifica ajoelharmo-nos porque isso poderia levar os colegas- turistas a pensar que estamos a orar na hora e no local errados... — LOL — E no entanto, no anacronismo tão nosso contemporâneo tal como Masaccio ou Piero conseguem exprimir, está lá o essencial: o artista como árduo mediador (estética) entre o mundo das formas (técnica) e o mundo das ideias (ética).

Perante as pinturas, as esculturas e as arquitecturas de Florença, contínua metamorfose de uma única complexidade que se desmultiplica diante dos nossos olhos espantados, já vimos que continuar a percorrer Itália sem as linhas orientadoras de André Chastel proporcionaria, no mínimo, erros de perspectiva. Isto para sublinhar que ainda é na companhia de Arte Italiana que podemos (começar a) relacionar coisas tão simples como as idiossincrasias de cada região (em função de vicissitudes políticas, histórias e geográficas...); mais, graças a concisas passagens que ligam os protagonistas às épocas, compreender melhor como isto é todo um país-museu, em que os espaços urbanos são antes de tudo eles próprios a obra de arte (Argan), uma obra que vivemos na plenitude física, corporal, de uma temperatura espantosamente... sensual. E, magari, na bondosa durée do cocktail mais luminoso da Península: o Spritz!

 


Spritz. May the Aperol be with you.


 

É hora de partirmos para Veneza, via Siena; passando antes, claro, por S. Gimignano (também aí as torres medievais preservadas, continuando a lembrar-nos que nunca deixámos de ser... medievais); e finalmente Arezzo (para a obrigatória visita aos frescos de Piero della Francesa na Capela de S. Francisco, lembrando-nos que a arte pode ser não apenas uma cartografia da relação que temos, enquanto humanos, com o mundo, mas propriamente um modelo de acção e reflexão). Piero della Francisca, o príncipe dos pintores... nele, um sentido não restritivo da perspectiva transporta uma intenção geométrica que transforma o universo numa gaiola dourada. Entretanto, cá fora, hoje, que diria Piero da arte que goza com o excesso de cultura?

 


Tanto libri! Arezzo main street art.


 

O Palio, um paliativo para a violência do mundo


É Ferragosto. Em Siena, praticamente todos os anos desde 1600, ocorre um estranho ajuntamento de gente de todo o mundo, mais particularmente de fervororosos sienenses, para assistir à(s) corrida(s) do Palio. Todos os dias 2 de Julho e 16 de Agosto, e culminando em participadíssimos processos de escolha e selecção de cavaleiros e cavalos, as diferentes contradas da cidade – os bairros – entram em bélica concorrência pelo palio de Nossa Senhora. O evento é o ex-libris da cidade, que junta esta corrida-mãe-de- todas-as-corridas àquilo que todas as cidades em Itália têm (igrejas incríveis, frescos impressionantes, pintura e escultura brilhante... mais Spritz!)

Muito haveria a contar deste evento que tem tanto de bárbaro como de requintado, e que é um hino à abstracção do jogo e das cores como elemento diagramático de comunicação, ganhando significância extraordinária pela simbiose entre o acontecimento e a malha urbana (que toda ela conflui para a monumental Piaza del Campo. A verdade é que uma tradição centenária conquista ano a pós ano o seu próprio espaço à hegemonia do ‘contemporâneo’, precisamente porque não se actualiza, a não ser em aspectos de bom senso básico (como o discreto aparato de segurança montado para cavaleiros e montadas). Eu explico: estão dezenas de milhares de pessoas numa praça a abarrotar de emoção, e as câmaras televisivas são de uma discrição total; não há posters manhosos ou écrans de vídeo em placards publicitários, tudo elementos de destruiriam o efeito de ‘tempo alternativo’, ou de layer temporal alternativo, que é na verdade o produto que ali é oferecido aos espectadores apinhados. Echo! Independentemente de nuances que possam ser analisadas na comunicação do evento, o espírito medieval e renascentista da corrida – os jockeys correm sem sela... –, que é antecedida por um longo e particularmente solene Corteo Estórico, chega até nós rigorosamente preservado e isso, ano após ano, faz aumentar a paixão que une o público.

 


Palio de Siena: Corteo estorico. Tittia, da Onda

 


Para um estrangeiro, escaparão certamente muitas subtilezas da identidade deste ou daquele emblema, mas o jogo da heráldica é no Palio de Siena sobretudo uma realidade gráfica e abstracta (e só depois meta-simbólica) que traduz num jogo, imobilizando-a enquanto universo de cores e formas em confronto- complementaridade, actualizando-a na vivência da tradição, a complexidade da identidade de uma cidade – os seus bairros enquanto realidades complementares. É um jogo violento e absurdo: os cavalos são tirados à sorte numa sessão pública em plena praça e durante a curta corrida vale praticamente tudo (menos puxar as rédeas do cavalo de um oponente). Vale inclusive a violência directa e, não menos importante, todo um contexto de submundo, assumido sem peias, de suborno e corrupção. A verdade é que, na hora da partida, as paixões acendem-se para três – apenas três – voltas à praça que num ápice – três minutos – farão surgir todas as cores e os gritos num ritual de comunidade. Não é a comunidade de um qualquer bem comum ou de objectivos apregoados, mas a comunidade do jogo – cada um a puxar pelas suas cores, sem peias!

A fascinante experiência deste evento pode ser conseguida comprando-se os bilhetes (pelas quantias de 200, 500 ou 750 euros). Mas é mais emocionante ainda esperar no mínimo umas cinco horas ao sol tórrido. Quando a corrida chega (e termina), já fazemos para sempre parte daquele terreiro.

Resultados? Este ano, coube a Tittia – a jovem vedeta –, montando Morosita Prima – fazer a ‘dobradinha’ – ganhando as corridas de Julho e Agosto (Palio dell’Assunta). O belo do vencedor (sobre o qual está já a rodar-se um documentário) realizou uma corrida heróica, de trás para a frente, e levou as cores da Onda (Azul e branco) ao delírio. A festa – a que a dada altura se juntam adversários e tudo!?! – prolonga-se em gigantes mesas de jantar ao ar livre. Lupa (que esteve à frente boa parte da corrida) e Nichia (cujo cavaleiro foi ao tapete na curva, acabando o cavalo – Oppio – num [nada honroso!] segundo lugar) foram os principais vencidos. Mas isso são contas de outro rosário, a serem recontadas para o ano, que a vingança...

 

A corrida deste Ferragosto.
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