Ao puzzle sugerido por Miguel Meira a propósito do festival Milhões de Festa, vem adicionar algumas peças este testemunho da Carmo Pereira, contribuindo assim para confundir o leitor um pouco mais.
ZA!
Não sei se por causa das saudades ou da ressaca, mas só agora consigo escrever sobre o Milhões de Festa sem que me tremam as mãos ou fique com pequenas convulsões (não sei bem se de choro contido, se de vómito). A verdade é que é um festivalão, onde se consegue o que de melhor há para nos sentirmos veraneantes de primeira: boa bebida, boa comida e um ambiente do caralho (obviamente que só digo asneiras porque estamos a falar de um festival em Barcelos, logo, nada de panisguisses na linguagem).
Convém esclarecer que fui para o Milhões em trabalho (e que não tenho, de forma alguma, a pretensão de me fazer passar por crítica de música: a minha área de expertise são sextoys e literatura porno-erótica). Daí a ausência de qualquer referência à piscina, já que, enquanto lá tinham lugar os concertos, encontrava-me eu ocupada a carregar barris e a matar a sede aos que estavam no palco Taina. Sorte minha, este era o verdadeiro paraíso da comida no festival, com caldo verde, coxinhas de frango temperadas ao mais alto nível, sandes de encher o olho e a barriga, e um tratamento "comme il faut"! (Taina <3 4ever) A ausência neste texto de tantos outros bons nomes que pelo festival passaram, deve-se ainda à minha não comparência ou ao facto destes não me terem causado (pelas mais variadas razões) impacto que destile uns tempos depois.
Voltando ao início, e tendo em conta que estava concentrada em vender senhas durante horas a fio na noite da recepção ao campista, só me lembro que quando estava quase quase a acabar a minha bateria (e ainda faltavam uma ou duas horinhas para terminar o trabalho) fui salva pelo DJ Quesadilla que, com um rasgo daquilo que só imagino poder ter sido amor e muito boa disposição, passou a Lança Perfume da Rita Lee... e revitalizei... mais não me lembro, mas ainda vos posso dizer sem pensar a quanto ficam 4, 6, 14 ou 21 finos... Diz que Claiana também foi giro, mas não tive forma de saber.
Das tardes do palco Taina, mais relaxadas e com tempo de ver concertos aos cinco minutos de perto e ouvi-los bem do balcão, destacam-se, por nenhuma ordem particular: Quelle dead Gazelle, duo rockeiro cheio de pica que me deu vontade de os ver mais uma ou duas, três vezes (coisa que facilmente podia ter acontecido se tivesse dado um pulo a Paredes ou ao Alive: rodados este verão, portanto). Foi bom ouvir os 10 000 Russos, mais rock daquele que acaba com qualquer azia, e Duas Semi Colcheias Invertidas, concerto que deu que falar, mas que vos juro, não foi o melhor destes meninos (falar mais de ambos os concertos seria profundamente enviesado, já que pessoalmente gosto tanto de uns como de outros, e gosto muito).
Pelo Taina, que valha a pena relembrar, passaram também uns espanhóis que tocavam um rock festeiro matinal com cheiro a after, os Perro Peligro. Em vez de seis, vieram só cinco. Faltou a rapariga dos sintetizadores que foi substituída por um deles. Dois baixos e muita onda: deu-me ganas de apanhar de novo esta matilha a jeito.
Na primeira noite, já meia derreada mas ainda sem ressaca, cheguei ao palco Milhões de coração meio lascado, rapidamente recomposto pelo pop de amplificação emocional dos Austra, envolto em vestidos dourados e jardineiras largas que, num alinhamento perfeito, prepararam o terreno para os Camera: krautrock daqueles que nos fazem bater com os pés, que me deixou presa à terra e cheia de energia. Nos Uffomamutte aproveitei e fui beber o que me apetecia: só posso dizer que não é bem a minha onda ou, como diz a comunidade Kinky, “YKINMKBYKIO” (Your Kink Is Not My Kink But Your Kink Is Ok).
Austra
Seguiu-se Otto Von Shirach, que eu esperava mais breakcore e menos dançante, e cujas letras traziam de tempos a tempos um sebozinho no ar ao estilo de Silvério (tentava sacudir estas lembranças mexendo-me o mais esquizofrenicamente possível). A meio do DJ White Haus olhei para o palco e dei-me conta que era o Kitten com um sorriso e, cheia de boas memórias, fiquei parva enquanto olhava (e acompanhava, confesso...) uma multidão dos 18 aos 50 aos saltinhos a dançar a I Love It dos Icona Pop, como se de adolescentes americanos "white trash" se tratassem.
Otto Von Schirach
Na segunda noite, depois da postura de meninos ingleses (com direito a um mal aplicado fogo de artifício e só salvos porque o som é mesmo bonito, e o vocalista é sequioso de público e contacto humano) dos Egyptian HipHop, valha-nos tudo, porque perante ZA! A única pergunta possível é — O que é isto????! — com o coração a bater aos mesmo ritmo alucinado que eles, os olhos a fazerem ping-pong entre os dois multi-instrumentistas-que-raio-de-artistas, e a cabeça a entoar mais, mais, mais. Depois disto, nada mais de notável — pensava eu — mas surpreendentemente havia ainda um outro dia de festival.
ZA!
Afinal de contas, era o Milhões e tinha que acabar em beleza. A tarefa ficou ao cargo de Jibóia Experience, que foi bonito, mesmo, mesmo, mesmo bonito. De pôr um sorriso na cara e ficar purinha para a javardice que Mikki Blanco trouxe a seguir. Se dá para dançar como se estivesses a foder? Dá. Na linha da frente do palco estava tudo nessa. E a temperatura subia enquanto a estrela por lá andava a dançar.
Mikki Blanco
Os afters no Xispe ficam para quem lá esteve... mas aviso desde já que por lá se viu pessoas normais transformarem-se em criaturas míticas, e criaturas míticas em pessoas, sem que nada o fizesse prever.
As fotos são da autoria do Miguel Meira. Se quiserem saber mais sobre o Milhões, podem sempre ler o esclarecedor artigo que publicámos em Julho sobre o festival.