Jorge Luis Borges in O idioma analítico de John Wilkins
Foto por Claudio Cavallin: Cadeira de Arquitectos Anónimos para Zalmaï
Tais são as perspectivas inumeráveis em que podemos falar de duetos. Estes, de que vos vou narrar alguns segredos inconfessáveis, Borges não chegou a escrever sobre, mas integram, praticamente, todas as alíneas da exaustiva classificação dos animais e outros idiomas.
Imaginem um dueto constituído por um designer e uma personalidade, ambos bem conhecidos; se colocarem hipóteses sobre o que farão em dueto podem crer que a resposta é, invariavelmente: uma cadeira. Eu sei que vão estar em desacordo, porque na vossa perspectiva é só o designer quem faz a cadeira, o Ronaldo mete golos e a Maria Bethânia canta e diz Poesia.
Mas neste dueto as pessoas fazem coisas que não fazem, mesmo que esta pareça uma alínea que escapou à classificação de Borges. Mas é fácil fruírem com esta experiência se forem a Paredes até meados de Novembro: há cadeiras expostas na estação, na casa da cultura no centro gimnodesportivo. Há cadeiras sereias, fabulosas e todas se agitam como loucas.
Estes duetos insuspeitados fazem parte dum projecto mais geral: Art on Chairs, patrocinado pelo Município de Paredes e materializadas pela eficácia das empresas que aceitaram pertencer a um projecto cujos fundos são doados à A.C.N.U.R. para os refugiados do Corno de África.
Por falar em África, ao abrir o mapa de Moçambique, aparece Mia Couto montado num dos leões e Luigi Baroli desenha a cadeira que Mia Couto desenhou na escrita do livro O fio de Missangas. Eu estava, no meio das missangas a sentir os duetos incluídos nesta lista desenhada com um pincel finíssimo por Maria Milano, a Curadora de Duets, a partir da ESAD de Matosinhos.
Uma curadora é uma pessoa que cura os projectos quando os jarrões ameaçam partir. São curadores desde que iniciam o projecto na cabeça e no coração e o coração de Maria Milano vem da Sicília, fala italiano e ama apaixonadamente chocolate. Ao falar em chocolate já está a senti-lo no sorriso que se abre e continua a curar emails, a desafiar empresas com os desenhos que as personalidades fizeram nos designers. Uma curadora de Duetos, assim, desamestrados, agita-se pelo dia fora, porque é preciso desembalsamar animais, para que encontrem a sua natureza viva e selvagem e as cadeiras desabrochem como.
Foto por Claudio Cavallin: Cadeira de Paolo Rizzato para Maria Bethânia
Do pincel finíssimo da Maria saíram nomes como Alessandro Mendini a desenhar o fado de Mariza, Paolo Rizzatto a dialogar em cadeira com Maria Bethânia, não faltando Manoel de Oliveira que, pela mão de Paolo Deganello, sugere o tecido do seu universo cinematográfico. Ramos Horta e Riccardo Dalisi materializam a alma numa cadeira que simboliza a império benéfico do sol nascente. Mais duetos estão em Paredes e depois correrão mundo como cães soltos em exposição itinerante, mas agora Paredes fica a dois passos de onde estiverem, se seguirem o canto das sereias e não resistirem a duetos em cadeiras.
Para estas cadeiras, os designers, os fotógrafos Inês d’Orey e Claudio Cavallin, e eu, deslocávamo-nos ao encontro de Luciano Benetton ou Zalmai, a Atenas ou a Treviso, ao atelier de Souto Moura, etc., e na conversa ia aparecendo uma perna, ou braço de cadeira, às vezes o assento e sempre as costelas de onde tudo se gera.
A Maria pegou em todos estes pedaços - que de longe pareciam moscas - e magicou um catálogo onde as peças se encaixam e se soltam nas mãos de Paulo Lobo, do Vasco e Filipe - Arquitectos Anónimos, de Carlos Santos da RAR, de Nini Andrade Silva, do Zé Luís Ferreira e do Rui Pedro Freire.
Ao curar DUETS, a arquitecta Maria Milano - juntamente com o empenho dos designers gráficos - construiu a casa que agora podemos desfolhar em nossas casas e os animais classificados por alíneas parecem nascer em cada página urdida por finíssimo pincel: se forem a Paredes, se forem por esse mundo fora.