NUNO CALADO – Sabemos que actuaste muito por toda a Europa. É a primeira vez que vens a Portugal?
WANDA JACKSON – Sim, actuei bastante pela Europa nestes últimos 25, 30 anos, e a verdade é que tem sido maravilhoso, recorri toda a Europa Ocidental e depois a Escandinávia. Em Portugal estive apenas uma vez, não me recordo se em 2010 ou 2011, mas por pouco tempo, espero este ano poder ficar um pouco mais.
NC - Deve ser estranho para ti às vezes, sendo uma grande artista desde há tanto tempo, visitares todos estes países e por vezes nem teres oportunidade para os chegares realmente a conhecer.
WJ - É verdade, cada país tem as suas particularidades mas eu raramente tive tempo para as descobrir, e nem sei quando vou ter. Mas costumo ler bastante sobre um país quando o visito para lhe apanhar um pouco o gosto, e é sempre bom fazer novos amigos e conhecer gente, faz-me sentir mais ligada ao país onde estou. São as diferenças culturais que fazem as viagens tão interessantes: às vezes torna-se tudo confuso e frustrante mas sabemos que faz parte e acaba sempre por ser engraçado.
NC - Provavelmente já tiveste muitas boas experiências e talvez algumas más também…
WJ - Sim, mas posso-te dizer que a maioria foi boa, especialmente quando tens amigos por toda a Europa, como todas as bandas com quem trabalhei e que se mantiveram em contacto ao longo de todos estes anos. Tenho muitos amigos pessoais na Suécia porque passei mais tempo por lá do que em qualquer outro país da Europa, mas em geral toda a gente sempre foi muito simpática para mim, e apenas recentemente comecei a vir a Espanha, de modo que fiquei muito entusiasmada quando fui convidada para vir a Espanha e Portugal. Entre os grandes festivais e a comida maravilhosa, foi sempre muito divertido.
NC - É uma honra para nós ter cá alguém como tu: a longevidade da tua carreira é simplesmente inacreditável…
WJ - Sim, bom, eu sou inacreditável não sou? (risos) Bom, o que te posso dizer é que tem sido tudo sem dúvida muito divertido para mim. Às vezes as pessoas saem de casa para uma noite de entretenimento e de certo modo esquecem-se de problemas como a crise financeira que actualmente assola a Europa. Num concerto Rockabilly entramos de certa maneira numa máquina do tempo de volta aos anos 50, época em que a vida era bem mais simples, e eu acabo normalmente por trazer à baila uma série de histórias pessoais sobre a vida ao longo dos tempos, e as pessoas em geral parecem gostar de ouvir o que eu tenho a dizer acerca disso.
Num concerto Rockabilly entramos de certa maneira numa máquina do tempo de volta aos anos 50, época em que a vida era bem mais simples.
NC - Tu foste uma espécie de pioneira. Na altura havia ainda muito poucas mulheres envolvidas em estilos musicais como o Rockabilly certo?
WJ – É verdade, não havia praticamente mulheres envolvidas, havia de facto apenas duas ou três, e eu estava lá quando tudo começou, no momento em que começaram a surgir todos estes estilos musicais, e fui vendo como tudo foi mudando e evoluindo ao longo dos anos.
NC - Quando olhas para trás, achas que na altura já pensavas que ias chegar aos 74 e ainda actuar assim ao vivo?
WJ - Não, nunca fui de fazer planos a longo prazo, acho que sou uma pessoa bastante simples, e vivo sempre um pouco no agora, mas quando olho para trás e vejo como tudo mudou tanto, posso-te dizer o seguinte: não creio que esteja tudo melhor agora, mas certamente não está tudo pior. Isto pode ser uma generalização mas a verdade é que podes sempre retirar algo de positivo da mudança, e é isso que é a vida no final de contas, uma mudança atrás da outra. Temos que ser flexíveis na vida, não podemos ficar presos para sempre a uma época e querer viver para sempre agarrados ao passado, isso não funciona. Neste momento tenho um problema porque sei que dentro em breve deixará de haver telefones normais, e eu não gosto de computadores. Aprendi a usá-los há alguns anos atrás mas simplesmente não gosto deles, embora pense que terei que começar a usá-los num futuro próximo se quiser navegar neste mundo. Não me agrada mas terei que aprender. Neste preciso momento estou aqui a ver se me entendo com o meu telemóvel…
NC - Já estiveste em tour com gente incrível como o Jerry Lee Lewis, o Elvis, o Johny Cash e todos esses que consideramos monstros hoje em dia, mas por outro lado trabalhaste recentemente com o Jack White, que é um gajo novo mas que provavelmente faz a ponte perfeita entre o passado e o presente, não é verdade?
WJ - Ora aí está uma boa explicação. Ele tem uma grande cultura e é muito apaixonado pelas raízes destes estilos de música. Penso que seria bom se todos os músicos de hoje em dia olhassem para trás e pensassem – De onde vem esta música? Como começou tudo isto? – isso dar-lhes ia uma base muito mais ampla sobre a qual trabalhar. Quando comecei a trabalhar com o Jack estava um pouco preocupada – O que é que este miúdo novo do Rock’n’Roll quererá de mim? – mas assim que nos conhecemos e começámos a trabalhar juntos, tivemos uma pequena conversa que me deixou mais descansada, e ele disse – Sou teu fan desde os 15 anos e não quero mudar a maneira como cantas nem o tipo de músicas que cantas nem nada do género, quero apenas dar-te um som fresco e material novo com que trabalhar – de modo que relaxei e pensei que realmente era mesmo aquilo que eu precisava para os meus espectáculos e tendo em conta a minha carreira como um todo, e creio que o Senhor enviou-o a mim na altura perfeita. Divertimo-nos muito juntos: demos concertos e aparecemos em alguns programas de televisão juntos com toda a banda e ele dedicou realmente muito tempo e dinheiro para dar ao meu disco um bom pontapé de saída, disco este que acabou por ser o melhor álbum que tive até hoje.
O que é que este miúdo novo do Rock’n’Roll quererá de mim?
NC - Achas que o teu trabalho com o Jack White abriu as portas para que as novas gerações descobrissem a Wanda Jackson?
WJ - Sim, foi verdadeiramente incrível, é uma das coisas boas dos computadores e dos novos meios de comunicação. Há fans que me encontram no meu website, no YouTube, há gente a escrever sobre mim no Facebook, e embora eu não esteja pessoalmente ao corrente disso, os meus filhos e o meu marido põem-me a par de tudo, e todos os dias, até neste preciso momento em que falamos, sei que algures no mundo tenho um novo fan.
NC - Depois de teres visto tanta música nova chegar ao topo e passar de moda, achas que aquela tua música completamente inovadora na altura e o teu espírito quando começaste a gravar as tuas emoções, achas que foi quase uma revolução como o Punk uns anos mais tarde?
WJ – Acho que sim, que foi algo muito novo para os ouvidos das pessoas. Sabes que nesses tempos, no princípio dos anos 50 era tudo mais lento, o tempo não passava tão depressa, de modo que as pessoas ficaram completamente confusas com o nosso tipo de som, não estavam à espera de uma mudança tão grande: de repente os seus filhos pediam-lhes dinheiro para comprar os discos de que gostavam, e os jovens tinham pela primeira vez uma voz no que respeita àquilo que as estações de rádio haviam de passar, e eram eles que ditavam os discos que as lojas haviam de vender: os fans tiveram um papel muito importante no processo todo, era um vento fresco a varrer o nosso país inteiro e depois o mundo, e as pessoas acabaram eventualmente por ter que aceitar e habituar-se, embora tenha demorado um bocado.
As pessoas ficaram completamente confusas com o nosso tipo de som, não estavam à espera de uma mudança tão grande.
NC - E alguma vez consideraste desistir da tua carreira musical?
WJ - Não, nunca pensei nisso, porque tudo foi funcionando bastante bem, estávamos a ganhar o suficiente para ter uma boa vida, embora nunca tenha sido uma superstar nem viva como tal, mas vivíamos bem e eu e o meu marido sempre gostámos muito de poder viajar juntos pelo mundo. Nunca senti necessidade de mudar isso, os nossos filhos foram bem cuidados e são actualmente jovens bem adaptados com as suas próprias famílias, e tenho muito orgulho neles, tal como eles têm muito orgulho de ter uma mãe que é uma celebridade e foram tirando partido disso, o que me parece muito bem, porque não?
NC - Vês-te como uma celebridade?
WJ - Numa escala pequena e local sim, isto é, quando eu tinha 13 anos já estava nas capas das revistas, os jornais escreviam histórias sobre mim, e quando a televisão apareceu entrei em alguns programas. Durante todo este tempo ainda andava na escola e quando fiz a minha primeira gravação ainda andava no liceu, de modo que sempre vivi um pouco na ribalta e sempre me pareceu tudo bastante natural. Houve um ano que nos mudámos para o Texas por causa de um negócio que acabou por não correr bem, mas seja como for vivemos lá um ano, e parecia ser que naquela zona do Texas ninguém conhecia a Wanda Jackson. Dei por mim a ficar um bocado perturbada com isso – Espera lá, mas vocês não sabem…? – Uma vez uma senhora numa loja perguntou-me o que é que eu fazia e eu disse-lhe que cantava, e ela disse – Oh menina tens que fazer uma audição para este espectáculo que temos cá aos Sábados à noite, se fores boa eles deixam-te cantar. – e eu disse – OK, vou fazer isso obrigado. Foi muito cómico, mas ao fim de um ano no Texas já estava com vontade de regressar a Oklahoma onde as pessoas me conheciam.
NC - E tens planos para gravar outro álbum?
WJ - Sim, já tenho um preparado, mas não é com o Jack White. Fiquei um pouco desiludida quando ele me disse – Bem Wanda, não nos estou a ver a fazer outro álbum agora porque não creio que consigamos fazer melhor do que o anterior – mas tenho que concordar com ele. Neste novo álbum mudámos um pouco de rumo, contém alguma música original e algumas versões, e vai ser algo diferente daquilo que fiz com o Jack, embora espero que igualmente bem aceite.
NC - Também espero que sim. E o que é que achas que o Jack aprendeu contigo durante o processo de gravar o último álbum?
WJ - Não sei ao certo, pela minha parte acho muito importante trabalhar com gente mais nova, e quase todo o meu público é mais novo. Penso que me faz relembrar o entusiasmo com que os jovens criam música, porque quando somos mais velhos, se não estamos perto de gente mais jovem, temos tendência a acomodar-nos. O Jack é um grande artista e lembro-me de ele dizer - Nunca conheci ninguém que conseguisse controlar tão bem o público, quando começas a falar sente-se uma tal vibração na sala, as pessoas querem ouvir-te falar. A minha geração não quer conversas – disse ele – só querem que nós toquemos as músicas sem parar, umas atrás das outras. - Não sei se ele aprendeu algo comigo, mas ficava sempre admirado com isso.
NC - Obrigado Wanda, a melhor sorte para a tua carreira e para a tua vida pessoal.
WJ - Obrigada a ti, gostei muito da conversa, vemo-nos num par de semanas, e não te esqueças de te apresentar se estiveres presente. Até já.