Tenho um amigo cuja grande paixão é a música. É um daqueles tipos cuja colecção de discos poderia encher um pequeno hangar de aviões. Pensem numa banda qualquer mais ou menos famosa dos últimos 30 anos e podem ter a certeza de que a viu ao vivo. Duas vezes. Mas a sua colecção e entusiasmo não estão na realidade direccionados para aquilo a que poderíamos chamar música comercial. Ele tirará alegremente das suas prateleiras exemplos de bandas de garagem argentinas dos anos 60, hip-hop argelino contemporâneo, soul coreano ou folk inglês alternativo. A maioria desta música é bastante boa. Alguma é mesmo excelente. E tocada por músicos a sério, com verdadeiro talento, paixão e visão.
Record Rooter por Orin Zebest
Torna-se muito claro, se é que alguma vez houve dúvidas, que a grande maioria da música com tempo de antena – a dita música comercial – constitui na realidade apenas uma fracção ínfima daquilo que anda por aí, e o que de facto chega a ser transmitido pelos principais meios de comunicação resulta na maior parte das vezes do vasto poder promocional das principais estações de rádio e da indústria discográfica.
Há um paralelismo entre o valor “evidente” da música dita comercial, e o presumível “equilíbrio” da imprensa tradicional.
A razão pela qual menciono isto prende-se com o facto de me ter ocorrido recentemente que existe um paralelismo quase exacto entre a aparente variedade e valor “evidente” da música comercial, e o presumível “equilíbrio” e abrangência da imprensa tradicional e dos principais meios de comunicação.
A Internet é uma das minhas principais fontes de leitura: encontro aqui jornalistas e comentadores que, pura e simplesmente, não conseguiria encontrar nos meios de comunicação tradicionais. No que toca à recolha de opinião e informação, o meu comportamento é de certo modo equivalente ao do meu amigo com a música. E tal como no mundo da música, descobre-se também aqui o resto do iceberg: um incontável número de escritores a sério, refrescantes e bem informados.
Continuo no entanto a assistir aos noticiários na televisão e a ler os jornais nacionais, e nunca deixa de me surpreender a sua componente essencialmente hipnotizante, e a rapidez com que a nossavisão dos acontecimentos se pode tornar tão limitada. O mundo que a nossa experiência nos diz ser tão complexo e multifacetado vê-se instantaneamente transformado numa paródia a preto e branco.
Um mundo complexo e multifacetado vê-se transformado numa paródia a preto e branco.
Exposto por mais de uma semana a estas tendenciosas simplificações do mundo, começo a ver as minhas próprias ideias definharem perante os meus olhos. É como se tivesse ingerido o equivalente a um sedativo da informação, especialmente desenhado para adormecer qualquer faculdade crítica.
Cortesia de Street Art Save my Life
Assim, não partindo de nenhum ponto em particular e esperando anunciar novas referências, gostaria de partilhar convosco a escrita de um homem por quem tenho uma grande admiração e cujo trabalho tenho seguido desde há vários anos. Chama-se Uri Avnery, é jornalista, escritor, e um dos fundadores em Israel do movimento independente pela paz Gush Shalom. É também um dos primeiros membros do Knesset e um dos fundadores do Conselho Israelita para a Paz entra Israel e a Palestina. O seu texto mais recente, sobre as próximas eleições presidenciais americanas, pode ser lido no seu website.