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Fake Extreme Art / making of #12 Kaarel Kütas

Fake Extreme Art / making of #12 Kaarel Kütas

O projeto Galeria Ana Lama vai apresentar a performance de Kaarel Kütas (Estónia), no espaço alternativo Cosmos Campolide Atlético Clube, projeto «Making Of #12», híbrido de apresentação de uma performance ao vivo, com público, e a criação de um dispositivo de filmagem, tendo como realizadora convidada Leonor Guerra.

Entrada livre sujeita a reserva em galeriaanalama@gmail.com

As demonstrações de Kaarel Kütas jogam com um lado raw, em bruto, da performance. A sua intervenção vem de uma tradição de trabalho artístico comunitário no qual interessa menos uma certa postura estética cómoda, em que os artistas só se interessam por criar peças bonitas e ser agradáveis para o público. Nestes ambientes de arte comunitária, o importante será, ao invés, criar uma atmosfera em que as pessoas se sintam livres para perguntar a si mesmas, e aos outros, o que é que realmente cada um pensa, ou, o que é que cada um realmente quer. As peculiaridades dos recursos artísticos evocados por Kaarel Kütas nas suas performances espelham uma vontade de discurso direto; o que propõe é explícito; mesmo que as imagens, aparentemente, não façam sentido, o sentimento da performance é bem definido. Há uma certa frontalidade no uso de meios simples que visa focar a linguagem num laboratório imediatista, uma acumulação fragmentada de momentos e imagens que visam aproximar o dispositivo a um problema, num labirinto estético também desenvolvido pelo público. O uso do discurso direto é ampliado pela evocação de paradoxos políticos presentes na sua condição de Artista Estoniano.

Uma mosca mordeu-me a mão eu tinha um pedaço de pão na mão. Não compreendi, seria um equívoco. Não, logo compreendi. A mosca queixava-se da falta de manteiga no pão. Sabemos que as moscas são uma espécie de microfones autónomos, ouvem os nossos pensamentos; até têm umas patinhas frontais para limpar o mecanismo. Algumas veem-se, mortas, no polibã, mas isso não passa de um canal aberto em sistema de eco. Com a mudança do tempo e a subida da temperatura, os insetos aparecem. Embora não seja comum, pode dar-se que esses pequenos seres cheguem aos nossos ouvidos. Algo tão simples como estar deitado na erva ou na areia da praia pode tornar-se um problema se um inseto nos atingir os ouvidos. Não sabemos bem quem é o recetor, mas, seja como for, é sempre bom saber que estamos a ser espiados, reconforta-nos na solidão. Quando não se fala muito com pessoas, começamos a perceber a que ponto os nossos pensamentos são importantes para a geopolítica, para o equilíbrio das forças mundiais.

A performance que irá apresentar em Lisboa, «I Was Here», diz-nos Kaarel, «será escultórica, construída em interação com o público, explorando o resultado das marcas e traços deixados nos materiais muito frescos. Espelha as ações realizadas em obras públicas, onde as pessoas, muitas vezes, arranham o cimento fresco dos edifícios em obras.» Kaarel pretende também, durante a sua estada, observar e investigar a cidade de Lisboa, sendo que a performance se centra na observação de gestos que ocorrem na cidade e em alguns dos elementos que interagem com os turistas. Nesse sentido, a performance irá utilizar um elemento muito específico — o cimento.

As moscas pouco disfarçam as suas intenções. Andam aqui às voltas a fazer-se de equivocadas, mas focadas em algo que se passa muito perto de nós, coisa que as deixa obcecadas, mas que nos custa perceber. Poisam rapidamente, fogem rapidamente. Toda a sua atitude é comprometida. Os insetos também podem voar para o ouvido enquanto dormimos. Quando isso acontece, o sistema de defesa do ouvido funciona. A barreira contra agentes externos é formada pelas vilosidades do conducto auditivo e cera do ouvido, onde o inseto provavelmente ficará preso e morrerá, talvez mesmo sem que eu perceba… As moscas tretam. Muita conversa interna nas nossas cabeças é uma treta. Elas filtram, as moscas. Entram nessa treta, mas têm capacidade de a filtrar antes mesmo do utilizador do seu cérebro. As moscas leem-nos os pensamentos, os lados bicudos e polivisuais dos nossos desacordos e das nossas melhores ideias para mudar o mundo, que não são possíveis de executar. As moscas tretam lá dentro. As moscas, nós só as vemos de fora, mas elas põem ovinhos fantasmas dentro da cabeça das pessoas. As moscas sacam o que há a sacar dos sonhos e do imaginário genial das pessoas pobres, das pessoas tristes e das pessoas solitárias. Algumas moscas são metalizadas, de um verde-azulado que passa por amarelo, mas já as andam a fazer niqueladas. É uma falta de vergonha, à vista de toda a gente, esta transformação das moscas numa espécie de drones robôs. Estes mecanismos de ouvir conversas internas.

Kaarel Kütas é um dos mais peculiares performers da Estónia. O pai é um grande construtor civil do país, e Kaarel, na sua primeira performance, o que fez foi criar um cubículo dentro do edifício que o pai estava a construir, um dos mais importantes arranha-céus, no ano 2000. A performance que realizou é conhecida como «Dois Anos Emparedado», uma ação pré e proto-artística, durante a qual Kütas esteve escondido da família e foi procurado (tendo construído uma falsa sala no edifício). Nesta performance, Kaarel afirmava a sua autonomia escultórica perante um mundo não artístico e familiar.

Uma mosca mordeu-me a mão eu tinha um pedaço de pão na mão. Não compreendi. Seria um equívoco. Não, logo compreendi. A mosca queixava-se da falta de algum condimento no pão. Tulicreme, marmelada ou manteiga.

Kaarel Kütas, a título de curiosidade ainda, foi um dos últimos elementos a entrar no coletivo Monty Python antes de os mesmos acabarem em 1998, tendo escrito grande parte do guião de «A Vida de Brian».

Toda a gente sabe que há um microfone em cada mosca, moscas que nos leem os pensamentos quando estamos sozinhos. Temos dificuldades, neste curto-circuito que é a crispação. A liberdade que se alcança em pequenos núcleos familiares ou comunitários, em que as pessoas às vezes agem como as moscas dentro da nossa cabeça, as pessoas próximas agem como as moscas. As moscas são ferramentas perversas da nanotecnologia que nos são enviadas por alienígenas ou cientistas que trabalham para gurus da tecnologia. A contradição é que a leitura dos pensamentos que sofremos, quando vivemos em espaços de familiaridade, quando somos perseguidos por moscas espias, a pergunta que se pode fazer é: quem, em última análise, é que é, afinal, o recetor de todas essas vozes? As moscas ouvem e tornam telepática a nossa vontade no todo. Mas para quê e para quem? Talvez o mecanismo de receção esteja estragado ou o ouvinte de todas as nossas conversas esteja cansado, velho ou morto.

Kaarel Kütas, em Tallinn, na Estónia, é um dos habitantes e dinamizadores da Metropol Gallery. Face à inacessibilidade e ao elitismo dos ambientes para a arte, casos dos museus e das galerias, começa a dar-se importância a edifícios abandonados como espaços de produção de trabalho artístico e público, e estes espaços alternativos são estranhamente nostálgicos. A Metropol Gallery foi uma casa abandonada que vários artistas transformaram, recuperando a arquitetura e criando uma residência. Este espaço acolhe também um projeto comum, no qual a comunidade de artistas interage num laboratório chamado «Circus-Art-Theater», um laboratório de «palhaços», que usa acessórios surreais, criando uma mistura que se assemelha ao teatro e ao circo, e que procura o grotesco. O que achei mais interessante no trabalho de Kaarel (entre ser performer, curador e dinamizador na Metropol Gallery), foi fazer-nos pensar, e de forma muito intensa, nas questões ligadas ao modo como pensamos e apresentamos arte — como se passa de espaços de cumplicidade comunitária, espaços alternativos, para outros mais frios e institucionais, sem se perder a empatia. Nas suas performances, o que acaba por ter mais importância, para mim, é esta passagem da liberdade comunitária para o espaço frio da atenção dos dispositivos autorais na arte contemporânea — a expectativa do público em relação a uma performance e a um autor, com tudo o que se relaciona com o culto da personalidade e como essa expectativa se transforma numa surpresa. Kütas consegue fazer essa tradução com a sua destreza de performer. Num mesmo ambiente, recebe pessoas e revela diferentes contextos de empatia, e assim os ambientes por si criados podem evocar circo, arte contemporânea, filosofia, política, reproduzidos através de objetos instalados e acionados por si.

Quando vemos moscas moscas, sabemo-lo, vemos microfones apenas microfones. A vida torna-se um grande espetáculo. Sabemos que estamos a ser observados num projeto de moscas e nanotecnologia e reconhecimento de voz… Sabemos que nos estão a ouvir as conversas quando vimos as moscas, porém isso até é positivo, ao contrário do que se possa pensar, porque alguém nos está fazer companhia — o recetor das nossas conversas —, alguém nos está a fazer companhia, e o que é mais giro, nós nem sabemos quem é. Além disso, todas estas moscas que nos espiam obrigam-nos a uma economia no pensar. Elas ouvem-nos, lá dentro, no cérebro, e é preciso, portanto, pensar sempre bem, para não aborrecer quem nos está a espiar.

Eu, por exemplo, já não adormeço com pão na mão. Pão na mão, só com manteiga. Para evitar a dentada de uma mosca frustrada.

Ana Lama, Tunes, 3/11/2022

_______________ Ficha Técnica:

Performance: Kaarel Kütas Direção artística: Nuno Oliveira E Margarida Chambel Realização vídeo: Leonor Guerra Operador de Câmara: Gabriel Marmelo Apoio técnico e apoio à comunicação: Roberto Álvarez Gregores Revisão de texto: Joaquim E. Oliveira

Apoios: República Portuguesa - Cultura DGARTES; Câmara Municipal de Lisboa; Polo Cultural das Gaivotas; Largo Residências; Cultural Endowment of Estonia; Cosmos Cac.

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