00:00 até às 23:30
DRY - Pedro Valdez Cardoso

DRY - Pedro Valdez Cardoso

PT / EN

A Montanha apresenta Dry de Pedro Valdez Cardoso, uma instalação de montra que poderá ser vista da rua de 20 a 29 de Março, e a última exposição na galeria.

Passem por lá se quiserem / puderem.

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A Montanha presents Dry by Pedro Valdez Cardoso, a window installation that can be viewed from the street, and the last exhibition at the gallery.

Come by if you want to / can.

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PT / EN

Lisboa 14.03.20

Será possível escrever sobre arte neste presente? Há três dias a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o surto do COVID-19 como uma pandemia. Cada país está a passar por esta crise de forma diferente, alguns com mais sorte, recursos, e melhor liderança do que outros. Em Portugal, entre muitas outras coisas, as escolas fecharam, assim como espaços culturais. Os apelos a se ficar em casa são acompanhados por mensagens positivas sobre os livros que podemos ler, os filmes que podemos ver, as coisas novas que podemos aprender, em termos práticos e, mais fundamentalmente, sobre nós próprios. Por quanto seja grave a situação, e portanto importantes estes apelos, não impedem de refletir uma certa mentalidade de rebanho, que incomoda, mesmo querendo atender à nossa seriedade e à nossa natureza melhor, e, portanto, bem-vindos são também às críticas enfurecidas feitas à situação e ao sistema e os memes de mão gosto. Mas quem sabe a realidade da situação são os que estão nos hospitais, profissionais e pacientes, e, não estando lá, será difícil pormo-nos no lugar deles, e portanto, do isolamento e do conforto das nossas casas, tentamos ser o mais sérios e o mais responsáveis possível - coisa que, em situações normais raramente sabemos ser -, a maior parte de nós nunca tendo estado numa situação parecida. 

E, portanto, será possível pensar e escrever sobre arte num presente como este? Já foi feito em presentes bem piores. A exposição Dry é um projeto que Pedro Valdez Cardoso tem pensado há já algum tempo, e, numa fortuita coincidência (que talvez não é assim tanto coincidência) vai acontecer como última exposição n’A Montanha. Uma exposição de montra, e portanto à porta fechada, em Dry, Pedro irá apresentar, durante 10 dias, uma peça que pode ser vista de fora. Esta peça é uma escultura que simula uma planta seca, fantasmática e melancólica, com vestígios da presença humana na Terra, numa garrafa de plástico vazia, numa galocha de borracha, e num osso (duma perna ou dum braço, talvez). Nas palavras do artista a obra “vive desta ideia maior de que tudo o que existe no mundo, visível e invisível,  necessita de ser “alimentado”’. Em termos globais, Valdez Cardoso está a projetar-nos uma combinação de futuro e presente, e, talvez, assim como as várias interpretações mediáticas desta crise que estamos a viver neste momento, precisamos desta visão à nossa medida (uma espécie de sinédoque) para sermos capazes de verdadeiramente entender a situação (“to get our heads around it” como diriam os anglófonos).

E, no seu pequeno, todas as partes desta obra de alguma forma apontam para uma dimensão maior, e portanto para grandes ideias no nosso presente. A planta sintética imita uma variedade das que se encontram muito em ambientes domésticos urbanos e que lembram plantas tropicais, quando hoje em dia poucos de nós vive em contacto directo com a verdadeira natureza, selvagem; a garrafa de água vazia também reflete a ubiquidade do plástico e o facto que o nosso acesso a um dos elementos mais básicos e mais fundamentais à vida é feito sempre de forma mediada, e não diretamente à fonte (a ironia de utilizar uma garrafa de plástico para simbolizar a seca); a galocha é o calçado dos agricultores e de alguns aventureiros, e, literalmente, uma pegada, que nos lembra também que a maior parte da natureza que agora nos circunda foi, de alguma forma, influenciada pelo humano, o osso agarrado ao galho da planta funcionando como um enxerto, para este mundo que criámos.

Mas nesta crítica alargada do artista há também o que há sempre no trabalho de Valdez Cardoso, nomeadamente sensualidade e emoção. Além da melancolia já mencionada, da tristeza de algo arruinado e desperdiçado, da combinação de elementos que uma vez apontavam para a vida com aqueles que só fazem lembrar lixo, parece também haver algo de mais radical, uma espécie de ecossexualidade e uma ecophilia, um amor à natureza e um forte desejo de verdadeiramente voltar a juntar-se a ela: nesta obra, os elementos “naturais” e os vestígios humanos de alguma forma inserem-se uns nos outros, passando a fazer parte de um todo. No entanto, também parece que esta ecossexualidade foi consumada e já está gasta - porque tão forte e tão desejosa de devir pela dominação -, e que, com esta naturofagia irreprimível, acabámos por nos comermos a nós próprios, qual ouroboros. 

Na origem da melancolia está o sentimento de que o que era bom já passou, ou que o melhor já foi. Será este o caso, e nem demos por ele, ou quisemos sempre mais? Como indicado acima, o artista concebeu esta obra num presente algo diferente deste que vivemos hoje. Acontece muito de assustador nestes dias, sendo uma das coisas mais assustadoras o não saber quanto este presente vai prolongar-se, quanto vai piorar, e em que condições estaremos quando passarmos para o futuro. O fatalismo anterior transformou-se numa outra realidade mais imediata, e a nossa condição parece ter-se coagulado à nossa volta. Alguns perigos mantêm-se mas o que mudou, de alguma forma, foi a vista para o horizonte: abateu-se uma bruma, e agora, antes de mais, precisamos de passar por ela. 

Será que esta planta ainda pode ser alimentada? Se a limparmos? Se a regarmos? Ela está aqui à mão, à nossa medida.

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Lisbon 14.03.20

Is it possible to write about art at the present moment? Three days ago, the WHO declared COVID-19 a pandemic. Each country is experiencing this crisis in its own way, some with more luck, resources and better leadership than others. In Portugal, among other things, schools have closed, as have cultural spaces. The calls to stay home are accompanied by positive messages about the books that one can take the opportunity to read, the films that one can watch, and the new things one can learn, either in practical terms, or, more fundamentally, about oneself. Despite the gravity of the situation, it is still possible to identify a certain herd mentality and a sometimes moralising tone in these appeals, which can be disturbing, even as we want to heed our seriousness and better nature, and, therefore, the occasional, controversial, infuriated opinions criticising the situation and the system and the memes posted in bad taste are also welcome. But the only people who know what the reality is are those stuck in the hospitals, medical professionals and patients, and those of us who are not there possibly can’t imagine the scenario, so, from the isolation and comfort of our homes, we try to be as serious and as responsible as possible - something we might find hard in normal situations -, also because most of us have never lived through anything like this.

Is it, therefore, possible to think and write about art at a moment like this? It has been done in far worse moments. Dry is an exhibition that Pedro Valdez Cardoso has been thinking about for some time, and, in a fortuitous coincidence (which is probably not entirely a coincidence) it will happen as the last exhibition at A Montanha. A window installation and, therefore, an event that can happen “behind closed doors”, with Dry Pedro will present, for a period of 10 days, an exhibition that can be seen from the street. The work is a sculpture that simulates a dry, ghostly and melancholic plant that has been marked with the traces of humanity’s presence on Earth, such as an empty plastic bottle, a rubber welly, and a bone (of a leg or an arm, perhaps). In the artist's words, the work “is born out of this greater idea that everything that exists in the world, visible and not, needs to be “fed”’. In global terms, Valdez Cardoso is projecting a combination of the future and the present, and perhaps, along with the pithy interpretations of the current crisis that one regularly comes across online, we need this vision on a human scale (a kind of synecdoche) to be able to truly understand the situation, to get our heads around it, as it were.

In fact, every element of this artwork points to something larger and, therefore, to big, current ideas or preoccupations. The synthetic plant imitates a variety found in several domestic environments, the one that resembles tropical plants, which reminds us that very few people today live near real, wild nature;
the empty water bottle reflects the ubiquity of plastic and the fact that our access to one of the most vital elements is always done in a mediated way, and not directly at the source (the irony of using a plastic bottle to symbolise drought or dryness); wellies are the footwear of farmers and some adventurers and, literally, a footprint which also reminds us that most of the nature that now surrounds us was, in some way, created by humans, the bone attached to the branch of the plant functioning as a kind of graft to this world.

However, in this wide-ranging criticism by the artist, there is also what always exists in the work of Valdez Cardoso, namely sensuality and emotion. In addition to the aforementioned melancholy - the sadness of something ruined and wasted, the combination of elements that once pointed to life with those that only resemble garbage -, there also seems to be something more radical, a kind of eco-sexuality and an eco-philia, a love of nature and a strong desire to truly once again become part of it (if possible): in this work the “natural” elements and the human traces are somehow inserted into one another, becoming part of a whole. On the other hand, it also seems that this eco-sexuality has been consummated and is already worn out - because it is so strong and so eager to dominate - and that, with this irrepressible naturo-phagy, we ended up eating ourselves, like an ouroboros.

At the origin of melancholy is the feeling that the best has already passed. Is this the case and we didn't even notice it, or is it just that we were never satisfied and always wanted more? As already mentioned, the artist conceived this work in a moment that was somewhat different from the one we are living at present. These days are frightening and what makes them even more so is not knowing how long this will last, how much worse it will get, and in what shape we’ll be once we come out the other side. The fatalism from a few weeks ago has been superseded by another, more immediate reality, and our condition seems to have coagulated around us. Some of the same perils remain but what has changed, in a way, has been our view of the horizon: a mist has built up around us and for now, first and foremost, we need to get through it.

Could it be that this plant can still be saved? What if we clean it? And if we water it? It is here, within our reach.
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