14:00 até às 18:00
Tridimensionalidade Aparente

Tridimensionalidade Aparente

TRIDIMENSIONALIDADE APARENTE

Aparentemente invade no espaço da Galeria António Prates uma tridimensionalidade que pretende ser simulada através de obras de arte de quatro jovens artistas portugueses. Aludindo à possibilidade de um três-dê ficcionado, depois de um momento histórico de confinamento em quatro paredes, vamos ao encontro de uma exposição que é concretizada sobre a criação simulada em altura, largura e comprimento e que se concentra sobretudo nas paredes da galeria. É, efetivamente, um impulso coletivo para deixar de lado o mundo a duas dimensões, passando da tela do computador para um envolvimento de corpos físicos que interagem num mesmo lugar.

Se, por um lado, com Platão percebemos que um mundo ordenado é um mundo tridimensional, que a noção de espaço está submetida à geometria; é Descartes que contrapõe esta ideia e revela que o espaço é determinado e definido pela presença de corpos, passando a lugar. Depois, com Locke assistimos à aplicação da noção de espaço à nossa experiência sensorial. A partir deste enquadramento teórico passamos o olhar sobre as construções de sensibilidade, sensações distintas que podem surgir, e intuição no espaço.

A presença de cor em uma das paredes da exposição traz a descoberto a conjugação dos elementos de imagens que pensamos ser céu. A passagem do sol cria um movimento de translação do nosso corpo no espaço marcado pelo tempo, que por sua vez se torna central ao desenvolvimento da obra de Bárbara Bulhão (1992). Também a fotografia em polaroid encontra a representação do aspecto mais poético – a ligação entre o afeto da imagem e o observador. Esta nova dimensão faz entrada cada vez mais forte, subjacente, implícita na obra.

No trabalho escultórico do artista Diogo Gonçalves (1990), o elemento tridimensional aparente destaca-se pelos jogos do corpo no espaço, assim como pelas suas formas, pela cor que emana da luz e pelas texturas ativas que invadem o espaço. Assistimos a uma figura constituída em tela, que se faz movimento noutra imagem. A transformação de energia alude à metáfora de luz, à ideia de uma iluminação, ao mesmo tempo que decorre de um processo de afiguração na contemplação de um caminho para a verdade.

A artista Maria Luísa Capela (1997) cria uma espécie de bolha em que o espetador se vê envolto. Ao dispor obras em dois lados de uma mesma sala, em suportes diferentes, para onde se olha e onde se pisa, sustenta-se, permite-se atingir a sua bolha talvez capaz de transpor o artístico e atingir o pessoal. A artista referência, portanto, as tão presentes bolhas do pensamento baumaniano nos conceitos que definem a sociedade moderna. Tudo acontece no intervalo entre obra e espectador, numa relação de espelhamento mútuos, trocam-se lugares, tornam-se lugares.

Uma encenação radical em gestos velozes trata-se, portanto, de um ato performativo levado a cabo por Xavier Ovídio (1989). A bidimensionalidade afasta-se de nós, sai de cena e entra a dimensão do mundo real, gerando a sua própria dramaturgia. Em contexto de surpresa, não sabemos o que está a acontecer, mas sabemos seguramente que algo resultará dos corpos volantes regidos pelos sons de um piano que perdura no pós performance e que essa ação se torna em narrativa ficcionada. Encontramos na performance sequências de um fluxo narrativo, um aglomerado de imagens em movimento, como se de cinema se tratasse. O que fica? Uma chapa que faz a vez de uma película, marcada pelo que captou. Ovídio dá ao espaço a significação que lhe atribui também Kant: uma forma a priori da sensibilidade. São múltiplas as dimensões capazes de nos fazer gozar o espaço.

O conjunto das obras são envolvidas na temática central, como se fossem extensões das várias dimensões, colocando-as de tal modo em xeque que parece que o corpo que integra o espaço é mutável em diferentes continuidades. Refletem, portanto, a definição de lugar - place - proposta por Massey (2004:11): que se define pela subjetividade e não através da materialidade de sólidos ou fronteiras; aliás, não pode ser reduzido a delimitações, pois é poroso, instável, frágil; é produto das relações humanas que atravessam o seu espaço físico. Circulemos em volta para ver cada obra de todos os ângulos e questionar o componente aparente determinante de todo o olhar. Tal constitui uma alusão à possibilidade de serem obras encenadas que olham o observador.

Texto de Coletivo Tarimba
TARIMBA constitui um Coletivo Artístico formado por oito mulheres. A Tarimba nasce a janeiro de 2019 em Lisboa para ser uma plataforma de promoção do trabalho de artistas e agentes culturais emergentes. Através das suas iniciativas e parcerias, a Tarimba procura trazer à tona um mundo de arte: aberto, acessível e de encontro entre pessoas. Tarimba quer dizer prática e conhecimento que se ganha ao longo de muita experiência.
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