22:00 até às 00:00
Opening

Opening

Grátis
É com entusiasmo que anunciamos a inauguração de "Opening", a primeira exposição individual de Nuno Ramos na Galeria Francisco Fino, dia 7 de fevereiro, às 22h00.

Num ensaio famoso, Musil observa que, se quisermos esquecer algo, o melhor é logo fazer um monumento. Nada é mais anônimo que uma escultura pública, de que não se sabe o nome nem o significado, mas que todos os dias confronta nosso olhar e nossos passos. Não à toa, os surrealistas adoravam estes seres de bronze ou mármore, vagamente humanos, que assombram o flâneur a cada esquina, em Paris.
Já há alguns anos, no entanto, monumentos andam bem vivos, com nome e sobrenome, denunciados em jornais, pichados, derrubados ao chão, atirados ao rio, decapitados, enegrecidos de fumaça, entintados de vermelho, recolhidos afinal a um museu da prefeitura onde devem viver incógnitos, como ex-espiões, delatores ou tiranos fugindo à própria biografia. Contrariando Musil, voltaram à vida, recebidos por uma multidão, num momento tenso e turbulento.
Em 2022, propus (e quase fiz) uma performance no centro de São Paulo, na Praça Princesa Isabel, onde vive um núcleo de adictos abandonados pelo poder público. Espécie de cidade paralela, batizada de Cracolândia, regida a soldados de cavalaria, pastores alemães e jatos de água sob pressão, a praça tem em seu centro uma enorme ereção: o bronze de um general montado, a espada levantada, apoiado num plinto ainda mais gigantesco. O ponto mais alto desse conjunto (a ponta da espada) chega a quarenta metros de altura.
A ideia era reinaugurar esta praça sucessivas vezes, com diferentes (e falsas) “autoridades”: um ex-adicto habitante da praça, um general, um ator, uma afásica, um cavalo. Dois guindastes levantariam um cubo de cortinas em torno dos quarenta metros de altura do monumento. Malabaristas vestidos de seguranças desceriam em rapel do alto desta estrutura, fazendo, com seu peso, que a cortina levantasse, desvelando o monumento. Embaixo, “autoridades” sairiam de uma limousine e seriam recebidas por fotógrafos, transeuntes, socialites, caminhando sobre um longo tapete vermelho até um palanque, onde discursariam, inaugurando novamente aquele enorme general. Quando voltassem à limousine, os atores malabaristas escalariam até o topo da estrutura, descendo a cortina. E assim sucessivamente, por cinco vezes
Este projeto algo delirante, abortado no último momento pela Secretaria de Cultura de São Paulo, ficou pendente em minha cabeça, e acho que esta exposição é em grande parte consequência dele.
Que significa inaugurar, abrir, pôr no mundo? O que esperamos destes acessos simbólicos ao espaço público? Que estranhos rituais são estes, que terminam sempre por cobrir de palavras um objeto, tentando fixar seu significado? E que poesia esquecida tem o pano que cobre e descobre, vela e desvela, como um enorme lenço de mágico? Quis retomar estas questões em outra escala, e logo imaginei um circuito físico equilibrado entre dois polos: um peso, que levanta o pano, e um contra-peso, que aciona o discurso ao pousar numa caixa de som. Estes dois elementos, a voz e o objeto, conectados por um cabo, como que em balança, pertencem a um circuito alternado — quando um sobe, o outro fala; quando um desce, o outro silencia.
Passar da performance à escultura, mecanizando os procedimentos, deu de imediato ao trabalho um distanciamento e uma potência de ironia novos, abrindo possibilidades que não tinha frequentado antes. É a primeira vez, acho, que minhas obras ganham uma tonalidade quase cômica, como no discurso infindável de agradecimentos, públicos ou privados, de gente famosa ou gente anônima, em línguas diferentes, associados à inauguração de um prato de sopa de lentilhas. No polo oposto, a ligação entre dezenas de minutos-de-silêncio, com seus clarins e sinos, suas cornetas e estranhas buzinas, seus pigarros, seus latidos, seus helicópteros ao fundo, e um bloco de gelo que derrete ao longo do dia, como que morrendo à frente do espectador, é de fato solene e lutuosa. Quis que estes dois extremos estivessem juntos, simultâneos ou, ao menos, contíguos, num jogo de cargas contrárias que deve ocupar a primeira sala da Galeria Francisco Fino.
Na segunda sala, quis examinar mais a fundo essa relação entre discurso e objeto. Neste caso, um objeto ausente: uma escultura célebre, o David de Michelangelo, que desapareceu, deixando apenas sua base. Ao invés de coletar meu material pela internet, como fiz nos Agradecimentos e nos Minutos-de-silêncio, escrevi um diálogo entre o David, que teria fugido, e um entrevistador, que o encontrou boiando no Arno. Trata-se de um gigante ausente, que escapou à sua base, onde deixou suas pegadas. Reproduzi fielmente, através de scanners e fotografias, a base esculpida por Michelangelo, e dotei-a de um falante na lateral. Esta base, onde David não está, fala, no entanto, por ele, respondendo às perguntas do entrevistador, que vêm da caixa de som. Esta celebridade cultural desaparecida mimetiza um pouco o cobrir e descobrir do pano — não está presente quando o pano se abre, mas fala. Fala (espero) por todos esses desaparecidos, seres exaustos, dormindo no fundo do Arno; esses matadores de gigantes cansados da fama, da admiração, dos cliques e circulação infinitas: os objetos e obras de arte.
Escrevo sem ter visto o trabalho inteiramente montado, mas em todos os testes que fiz me espantou a exigência de precisão e detalhamento técnicos, o número de traquitanas e a escala necessários para levantar e pousar um simples tecido. Foram meses e meses de ensaios, variações, pequenas vitórias e grandes derrotas. Ao transformar o ato de livrar-se de um pano num meticuloso descobrir e cobrir de novo, espero que certo silêncio originário retorne ao que ficou ali debaixo.
Por último, não poderia deixar de homenagear, de alguma forma, a abertura de Luzes da Cidade, de Chaplin, uma das mais intensas críticas à retorica da monumentalidade. Nela, o vagabundo, parte indesejável do monumento, é descoberto dormindo debaixo do pano. A polícia e as autoridades presentes à cerimônia exigem que saia dali, mas seu percurso é infindavelmente adiado pela própria vida do monumento, a quem cumprimenta, pede desculpas, levanta o chapéu. Para o vagabundo, o monumento está vivo, exigindo respostas e comportamentos sociais. Para as autoridades, esta vida atrapalha a inauguração, os discursos, os hinos.
Imprimi um segundo do levantar do pano no filme — ou seja, vinte quatro quadros, vinte e quatro imagens.
Recomendamos que confirme toda a informação junto do promotor oficial deste evento. Por favor contacte-nos se detectar que existe alguma informação incorrecta.
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