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Media and Amechania: notas da conferência de Peter Weibel

Rui Matoso
No contexto da inauguração da exposição INTER[IN]VENÇÃO, patente na Fundação Eugénio de Almeida (Évora) com obras da Coleção do Centro ZKM (Center for Art and Media) e curadoria de Cláudia Giannetti, Peter Weibel, presidente da instituição de Karlsruhe desde 1999, proferiu uma conferência intitulada Media and Amechania [1].


Peter Weibel

 

O reputado teórico, artista e curador começou por explicitar o termo mais enigmático do título da sua conferência, a palavra Amechania, personificação grega (daimon) dos desamparados e da falta de meios. Acrescentamos ainda que esta divindade se relaciona intimamente com outras como Penia (pobreza), Ananke (necessidade) e Ptokheia (mendicidade) e é próxima do significado de Aporia (impotência). Esta constelação representava para os gregos pré-socráticos os maiores castigos (hybris) de que uma sociedade podia padecer.

A visão do ser humano como ser incompleto e sujeito a inúmeras provações tem no poema épico Odisseia uma versão universal da consciência da fragilidade humana face ao mundo exterior e inóspito. O poema relata o regresso do protagonista Odisseus, o herói da Guerra de Troia que demora dez anos para chegar à sua terra natal. Peter Weibel evoca o homem dos mil estratagemas, e um dos mais ardilosos guerreiros de toda a epopeia grega, enquanto alegoria dos saberes técnicos e do conhecimento das mecânicas, como antítese lógica do padecimento a-mecânico. Neste mesmo sentido, o conceito de “politécnico” (p. ex. na designação do ensino politécnico) remete para um conhecimento multidisciplinar vocacionado para a prática e para o uso polimecânico dos talentos e engenhos. Ulisses é conhecido na epopeia pelos mais diversos epítetos que demonstram o seu carácter hipermórfico e adaptativo: polytropos (fingidor) ou polimechanos (multi-operativo) são dois exemplos das habilidades e ardis (meios hábeis e saberes técnicos) que permitiram ao herói chegar com vida ao seu lar em Ítaca.

Na situação atual, segundo Weibel, estamos novamente numa posição de desamparo, pobreza e aporia ontotecnológica. Documentos secretos vazados pelo Wikileaks de Julian Assange, ou o mais recentemente atentado à privacidade no caso da espionagem eletrónica denunciada por Edward Snowden, evidenciam quanto os cidadãos se encontram desprotegidos perante os usos da tecnologia e dos media pelas configurações maquínicas do poder global. O conferencista de origem ucraniana fez ainda uma referência explicita à instrumentalização do medo e do terrorismo para fins de controle social nos sistemas contemporâneos de governação, nomeadamente pelos Estados Unidos da América.

O apelo ao saber da mecânica ajuda-nos a perceber o funcionamento dos mecanismos, a entender a razão por detrás dos acontecimentos ou as causas dos efeitos. O uso ortopédico de próteses mecânicas para colmatar traumatismos ou deficiências humanas, remete para uma origem metafísica, pois, tal como referido por Freud, «o homem tornou-se uma espécie de deus protésico realmente grandioso quando coloca todos os seus órgãos auxiliares ao serviço, só que eles não se integraram nele e ocasionalmente ainda lhe dão muito que fazer.» [2]. Hall Foster na sua obra Prosthetic Gods, desenvolve esta ideia a partir do paradoxo enunciado por Freud, o da ambiguidade entre o êxtase ou a integração das próteses (cyborg) e a constrição causada pela não integração das extensões técnicas.

Os dispositivos tecnológicos de mediação (media) são igualmente considerados próteses do corpo, extensões tele-tecnológicas que permitem interagir à distância. Neste horizonte, a escrita é entendida como uma tecnologia que, desde a invenção do alfabeto à revolução algoritimica do código digital, integra os diversos usos realizados pela humanidade, acompanhados quase sempre por problemáticas inerentes aos seus efeitos na consciência e ontogénese das individuações.

 


Hugo Gernsback — TV Glasses, 1963, Time & Life / Foto: Alfred Eisenstaedt

 

Perplexidades essas que ao longo da história vêm gerando a suspeita e a crítica ao poder da linguagem e da escrita. Platão (no Fedro) nega que a escrita seja o melhor remédio da memória e da sabedoria, como queria o deus Theuth fazer ver. William Burroughs considerava a linguagem um vírus capaz de contaminar e perturbar o real. Pierre Bourdieu avisou-nos acerca do poder simbólico emanado dos discursos perlocutórios, que hoje podemos designar por soft power. Todavia, enquanto que estas epistemologias da linguagem e da escrita natural (língua) nos permitiram desenvolver resistências simbólicas, Peter Weibel interroga-se para saber quantos de nós estamos aptos a reconhecer e a manipular as linguagens artificiais (computacionais) constitutivas dos media contemporâneos?

É certo que neste campo da técnica vivemos como desamparados e deambulamos como uma imensa maioria de leigos analfabetos. Na era dos new media, estamos ainda sob domínio das falhas e da fragilidade da deusa Amechania. Reconhecê-lo é fulcral para a expansão dos limites do humano, e para nos reconciliarmos com os deuses protésicos que sempre fomos em potência.



[1] Conferência prévia à inauguração da exposição INTER[IN]VENÇÃO - Fórum Eugénio de Almeida – Évora – 29 Novembro 2013.

[2] FREUD, Sigmund (2010). O mal-estar na cultura. Porto Alegre, RS : L&PM. P. 50.



Peter Weibel Peter Weibel Biography Centro ZKM Fundação Eugénio de Almeida
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