Em O Homem que gostava de mulheres, de François Truffaut, Bertrand sabia da chegada da Primavera pelo bailado das pernas sob as saias que percorriam as ruas. Nós sabemos da Primavera pela chegada do cinema italiano em formato festa, rigorosamente 8 ½.
“O cinema é um meio privilegiado para comunicar a cultura, tradição e língua italiana”, considera Angelo Arena, o Presidente da ASCIP Dante Alighieri. Arena sempre promoveu, no Porto, a mostra de cinema italiano, através de ciclos dedicados a cineastas como Fellini, Rossellini, Monicelli, etc.
Na primeira sessão do ciclo dedicado a Federico Fellini, que abriu com Giulietta degli Spiriti, a surpreendente adesão por parte do público deixou os organizadores numa situação muito próxima das que assistimos na tradição do cinema italiano: sem imaginarem que o cinema enchesse, ficaram sem lugar, acabando por assistir ao filme na cabine de projecção.
No meu caso, o cinema italiano iniciou a sua escalada pela mão do meu pai. Comecei com Totò e a magia que este comediante imprimia a cada personagem fez com que ainda hoje o reveja a “tropeçar de ternura”. E digam-me onde se aprende mais sobre as relações humanas do que em filmes como Dov’è la Libertà de Rossellini?
Depois destes filmes vieram todos os outros (alguns dos quais com o próprio Totò) de realizadores como Monicelli e Rossellini, e também Fellini, De Sicca, Antonioni, Bertolucci, Visconti e Pasolini. Na comédia, deliciei-me com actores como Sordi, Toghazzi, Gassman, Mastroiani, mas intuía já que, nestes filmes, a comédia não era um rebuçado de açúcar gratuito. Giulietta Masina era uma comediante que nos levava ao cume do riso e ao desespero, como no magistral Le Notti di Cabiria.
Em quase todos os realizadores — como no Monicelli mais neo-realista — a comédia invade o melodrama e reencontramo-nos na paródia da natureza humana, pondo a nu a sua vertente patética com uma inocência desarmante. Em Os gangsters falhados (I soliti Ignoti), a comédia satírica de um bando de ladrões de boa índole, é perpassada de humor negro, recheada de situações hilariantes, provocadas pelo desajeito e incompetência dos ladrões. Este registo de humor patético — que acaba por gerar o gozo no próprio falhanço, em alegre camaradagem — é um ponto comum de muito do cinema italiano em que a comédia não é divina, mas demasiado humana.
Graças à ASCIP Dante Alighieri e do empenho do seu Presidente, o cinema italiano abre-se à comunidade do Porto, tal como se abre com Alfredo (Philippe Noiret) — no Cinema Paradiso de Tornatore — quando este volta a máquina de projecção para o exterior da igreja, oferecendo as imagens narrativas à praça de toda a gente.
Para além das mostras na Cinemateca e em Cineclubes, no mercado da 7ª Arte o cinema italiano ia aparecendo de forma esparsa, com filmes de realizadores consagrados, tais como Nanni Moretti, Benigni e depois Gianni di Gregorio. Com a continuidade e persistência da Festa do Cinema Italiano (e de outras intervenções da responsabilidade do seu director artístico, Stefano Savio) observa-se um número crescente de filmes italianos a contagiar as salas, deixando transparecer um cinema cheio de vigor.
Como exemplo, Viva la libertà, de Roberto Andò, abriu a Festa do Cinema Italiano em 2013, encantou os cinéfilos e fez milhares de fãs no circuito comercial, contribuindo largamente para a visibilidade do cinema italiano.
Este ano, exibe-se em ante-estreia o último filme de uma das presenças italianas mais marcantes. Refiro-me aos irmãos Taviani (Vittorio e Paolo). Depois de Cesare deve morire (2012), os realizadores presenteiam-nos com mais uma adaptação fílmica de obras literárias, desta feita Decameron é vertido para o filme de 2015, intitulado Maraviglioso Boccacio.
Com 8 ½, o melhor do cinema italiano tem conquistado cada vez mais lugares. Este ano, a primavera inaugura com a 9ª edição da Festa do Cinema Italiano e, durante uns dias, poderemos degustar filmes das melhores colheitas: do ano e de todo o sempre.