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Interatividade expressiva no storytelling de “Brothers”

Nelson Zagalo
Depois de "Storytelling Espacial em Gone Home”, chega-nos hoje a segunda colaboração de Nelson Zagalo para o Sistema Imunitário da Viral.

 

“Brothers: A Tale of Two Sons” (2013) é um videojogo da autoria de Josef Fares, um realizador de cinema libanês radicado na Suécia. Fares foi obrigado a fugir do Líbano por causa da guerra, quando tinha apenas 10 anos. A sua infância dramática e a mudança radical do Líbano para a Suécia, onde moravam os seus avós, conferiu-lhe uma visão particular do mundo. Fares deu azo à sua imaginação e criatividade, e começou desde cedo na Suécia a fazer curtas-metragens, daí à escola de cinema, e às longas-metragens foi um passo. Vendo alguns dos seus trabalhos cinematográficos, percebemos como foram embebidos desta particular perspectiva cultural do mundo, e como nos abrem formas distintas de olhar a condição humana. “Brothers” é o primeiro videojogo dirigido por Fares e depois de o jogarmos, os sentires que nos acossam ao ver os seus filmes emergem.

O filme de Fares mais dramático é “Zozo” (2005), um trabalho em parte autobiográfico, que retrata a violência da guerra no Líbano e a fuga para a Suécia de um pequeno rapaz de 10 anos. “Brothers” retrata uma temática próxima de “Zozo”, embora em cenários totalmente distintos, no entanto apesar de ser um videojogo, consegue ser mais dramático que “Zozo”. Só esta constatação é por si só, uma enorme conquista para o meio. Ao longo das últimas décadas temos detectado vários problemas e obstáculos na criação de drama nos videojogos [1], nomeadamente devido a algo que defini em tempos, como o “paradoxo emocional da interatividade” [2]. Ou seja, por um lado o videojogo exige da pessoa uma emocionalidade de tristeza quando de frente a um evento dramático, o que por sua vez exige da pessoa uma postura de recolhimento, contemplação e inação. Por outro lado, como videojogo que é, a obra continua a pedir ao sujeito que permaneça interativo. Temos assim um choque entre a contemplação e introspeção melancólica e a interação e ação próprias de um objecto interativo.

 

 

Dito isto, não deixa de ser interessante que Josef Fares em entrevista diga que depois de ter desenvolvido o conceito principal para o jogo - uma aventura dramática com dois irmãos (mais velho e mais novo), ambos controlados por um único jogador simultaneamente - apenas a considerasse exequível no meio dos videojogos. À primeira impressão pode não fazer muito sentido, esta quase obsessão de Fares por aceitar apenas que a história que tinha em mente se concretizasse num meio interativo, mas depois de jogarmos o jogo esta obsessão faz muito mais sentido. Fares diz-nos, "[Brothers] é a história de um pequeno rapaz que cresce para se transformar num homem. Mas é contada de uma forma interativa, de uma forma que eu não poderia fazer em cinema. Tu és fisicamente parte da história.[3] Para perceber o que Fares quer dizer com este “fisicamente” temos de analisar o design do jogo.

Podemos começar por apontar que a ideia de controlar dois personagens simultaneamente num espaço tridimensional não é nada fácil em termos cognitivos para o jogador. A mão direita controla um personagem com um dos sticks analógicos, a mão esquerda controla o outro. Isto obriga a um exercício adicional de concentração, já que temos que dividir a nossa atenção sobre as ações de cada personagem. Por outro lado, a primeira reação que qualquer jogador tem assim que começa a jogar é, ‘porque razão não é um multiplayer?’. Faria todo o sentido, ter dois jogadores a controlar cada um dos irmãos. E quando não tivéssemos uma pessoa para nos acompanhar, o outro irmão poderia funcionar por via de Inteligência Artificial. Ora isto é o que todos os outros criadores de jogos fazem, e é o paradigma a que estamos habituados. Mas Fares não quis apenas quebrar as convenções e regras instituídas, Fares tinha um objectivo muito concreto com este conceito, e por isso nunca abdicou dele, mesmo quando os estúdios lhe pediram. E a verdade é que toda a genialidade do jogo acaba por se resumir exatamente a esta obrigatoriedade de ambos os irmãos serem controlados por um único jogador. Vejamos porquê.

“Brothers” começa com a contextualização das tristezas sentidas pelo irmão mais novo, mas pouco depois o pai fica muito doente, e ambos os irmãos são obrigados a partir numa aventura em busca de um líquido medicinal, o único que poderá salvar o pai da morte. A aventura começa, e começamos então a deambular pelo mundo, do tipo medieval, controlando o irmão mais velho num controlador, e o mais novo noutro controlador. O mais novo, por ser mais pequeno consegue muitas vezes passar por zonas estreitas, ou subir a zonas altas e assim ajudar o irmão. Assim como o mais velho é mais forte e é quem sabe nadar, é quem leva o irmão às costas nas zonas em que só se pode passar a nado, assim como assume a liderança, perguntando às pessoas o caminho, enquanto o mais novo está muitas vezes alheio ao que se passa e quer mais é brincar. São dois personagens, mas ao fim de algum tempo são inseparáveis e completamente interdependentes, funcionam como uma dupla, e não como duas entidades separadas. O jogo passa os primeiros 2/3 do tempo a construir esta relação, de tal modo que se vão desenhando em nós comportamentos e expectativas sobre o funcionamento dos personagens, sobre as dependências que cada um tem do outro. A empatia cresce em relação a ambos os irmãos, porque compreendemos e assumimos essas dependências, mas principalmente porque controlamos fisicamente ambos, e sabemos que um não funciona sem o outro.

 

 

No último terço do jogo Fares vai rentabilizar todo o trabalho que foi investido na construção da relação entre os irmãos e o jogador. Depois de os jogadores terem interiorizado e automatizado os comportamentos de controlo das mecânicas do jogo no controlo de cada um dos irmãos, Fares ‘tira o tapete’ aos jogadores. Acontece algo terrível com um dos irmãos, e de repente o jogador fica sem saber o que fazer com uma parte dos controladores que estava a usar até ali. Questionamo-nos sobre a tragédia a que assistimos, que nos atira para um poço de melancolia, mas nem por isso o fazemos de modo passivo. O jogador continua no controlo do jogo, e aos poucos vai perceber que as mecânicas e os controladores que antes serviam um dos irmãos passaram agora a ter uma nova função.

Este é momento mais alto de “Brothers”, e um dos grandes momentos a que já assisti nos meios interativos, a experiência brotando da transformação das mecânicas. É algo muito difícil de ser colocado em palavras, já que não pode ser descrito, nem mostrado, apenas experienciado. Aquele personagem pequeno e franzino, que queria apenas brincar, ganha de repente um novo sentido de si, transforma-se interiormente e cresce. De uma forma absolutamente brilhante, percebemos por meio das mecânicas que ele aprendeu a nadar recordando o seu irmão, porque sentimos o irmão ainda ali presente nas nossas ações sobre os controladores do jogo. Ou seja, isto não é um simples contar de história, não é também um mostrar da evolução de um personagem, é antes um colocar o receptor no lugar de ator, e fazê-lo sentir que as suas ações fazem o personagem crescer. Somos fisicamente parte da história, porque participamos na descoberta das novas ações, porque a interatividade expressa o interior do personagem. Isto é storytelling interativo de excelência.

 

[1] Nelson Zagalo, (2009), Emoções Interactivas, do Cinema para os Videojogos, CECS/UM, Gracio Editor, Coimbra, p.400, ISBN: 978-989-96375-1-1

[2] Zagalo N., Torres A., Branco, V., (2006), Passive Interactivity, an Answer to Interactive Emotion, 5th International Conference on Entertainment Computing, in Lecture Notes in Computer Science, Springer, Volume 4161/2006, ISBN: 3-540-45259-1

[3] Brothers: How A Film Director Shook Up Starbreeze, Mike Mahardy, in Polygon, 27.10. 2013

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