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Políticas Culturais e Democracias Locais (III)

Rui Matoso
Neste terceiro artigo de uma série de quatro (originalmente publicados no portal Esquerda.Net), Rui Matoso questiona o papel da administração pública, do Estado, e de outras formas de governação política local ou regional, na produção ou programação de Cultura.


Políticas Culturais e Democracias Locais (III):


Desafios para as Próximas Eleições Autárquicas



As cidades não podem ser meras máquinas artificiais e administrativas capturadas pelos fluxos globais de hegemonização, da informação e do financiamento. Nem produtos “prontos-a-consumir” enclausuradas numa cultura burocrática.



Portuguesa Monochrome (Paulo Mendes) DR

 


Os acontecimentos recentes no 1a Avenida (Porto), envolvendo o trabalho do artista Paulo Mendes e a exposição “Uma questão de género” dão visibilidade a uma preocupante tendência (antiga) de domesticação da esfera pública cultural, designadamente através do uso de entraves, esquecimentos, negligências, etc., por ação ou por omissão, na tentativa de filtrar a visibilidade da produção artística e cultural, e procurando assim evitar que certas obras (e autores) menos consentâneas com o status quo contaminem a cidade ou as instituições com as suas propostas críticas.

As razões para que isso aconteça são de natureza diversa, mas tem o seu denominador comum no desejo totalitário de incluir a dimensão estética nas opções políticas, desejo esse incompatível com o princípio da separação entre o juízo de gosto e a função da governação democrática, tal como previsto no 2 do Art 43o da Constituição da República Portuguesa (CRP): «O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.». Apesar da clareza interpretativa do artigo da CRP, intitulado «Liberdade de aprender e ensinar», são prolíficos os casos onde é notória a “mão invisível” dos autarcas por detrás da definição de programações, projetos, eventos e iniciativas públicas de cultura, como se se tratasse de um direito natural ou régio [3].

O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.

    Mas, reconhecendo que as políticas culturais não se restringem às “políticas da arte”, voltemos um pouco atrás ao caminho percorrido no texto anterior (II). Por um lado, a prioridade dada à dimensão cultural das políticas públicas locais, remete para a questão da autonomia cultural de uma determinada “comunidade” enquanto forma de definição das prioridades das suas práticas expressivas e criativas, sejam estas públicas ou privadas, individuais ou colectivas; por outro, a necessidade de se transcender a dimensão económica do desenvolvimento, afirmando que os direitos económicos e os direitos políticos não podem ser separados dos direitos sociais e culturais, coloca a diversidade cultural e criativa como fontes de capacitação e empowerment dos indivíduos e das comunidades. Este é um passo fundamental para o aprofundamento da democracia participativa e da intensificação da cidadania activa na vida pública das cidades, nomeadamente na definição de políticas e avaliação da execução das mesmas.

    Esta asserção, da importância da cultura para a densidade qualitativa da democracia local parece-nos evidente, primeiro porque as identidades individuais e colectivas contemporâneas se (de)formam sob influência de um capitalismo semiótico (semiocapital), e segundo porque este é um campo de batalha fulcral onde se entroncam questões relacionadas com o trabalho e a liberdade. Neste sentido, a cultura – enquanto dimensão de política pública – não pode continuar a ser entendida como mero sinónimo de entretenimento ou diversão, mas antes como uma capacidade activa de cidadania: como conjunto de ferramentas simbólicas e conceptuais que os membros de uma comunidade necessitam para lidar com a realidade difusa e complexa do mundo contemporâneo e para elaborar novas estratégias de vida colectiva. Todavia, apesar de décadas de produção cognitiva e empírica em torno dessa “evidência” a resistência dos nossos governantes locais ao desenvolvimento da democracia e da cidadania cultural continua inamovível (há sempre exceções, claro).

    A cultura não pode continuar a ser entendida como mero sinónimo de entretenimento ou diversão, mas antes como uma capacidade activa de cidadania.

    Sem cair em exageros e sem ter de recuar à Convenção Cultural Europeia (1954), é no entanto necessário reconhecer a importância do legado do Conselho da Europa na promoção de boas práticas em matéria de políticas culturais, como mero exemplo a Declaração Europeia de Objectivos Culturais (1984) propõe seis grandes causas comuns e objectivos fundados na «liberdade e esperança»: desenvolvimento da criatividade e do património; desenvolvimento das atitudes humanas; salvaguarda da liberdade; a promoção da participação; incentivar o sentido de unidade e comunidade; e a construção do futuro. 

    Em Maio de 2007, a Comissão Europeia aprovou uma comunicação intitulada Agenda Europeia para a Cultura num Mundo Globalizado. A partir deste momento a dimensão cultural do desenvolvimento assume na Agenda uma proeminência que até aqui não havia assumido em nenhum órgão oficial da União Europeia, começando por apresentar uma definição ampla (antropológica) de cultura, e não apenas uma conceptualização sectorial restrita: «A cultura encontra-se no cerne do desenvolvimento humano e da civilização. Cultura é aquilo que leva as pessoas a ter esperança e a sonhar, estimulando-lhes os sentidos e facultando-lhes novas maneiras de encarar a realidade. É aquilo que congrega as pessoas, suscitando o diálogo e despertando paixões, de uma maneira que une em vez de dividir. A cultura deveria ser vista como um conjunto de traços distintivos espirituais e materiais que caracterizam uma sociedade e um grupo social. Abarca a literatura e as artes, assim como modos de vida, sistemas de valores, tradições e crenças.» (p.2).

    cultura encontra-se no cerne do desenvolvimento humano e da civilização. 

    Escusando-me a mais proselitismo eurocêntrico, convém esclarecer cabalmente que uma das ambiguidades inerentes ao termo “política cultural” é poder pensar-se que equivale a uma administração das actividades culturais, no sentido em que se produz e programa a acção cultural. Por isso, não podemos deixar de sublinhar que a administração pública, o Estado, ou qualquer forma de governação política local ou regional não produz, nem programa, cultura. Pode e deve apenas operar estrategicamente nas outras esferas que não as da produção (criação): distribuição, acesso, democratização, regulamentação, salvaguarda, desenvolvimento, sustentabilidade, etc. Deste modo, as autarquias não podem aspirar a determinar, dirigir, controlar ou tutelar a cultura, mas antes a incentivar uma efectiva participação e a autonomia da pluralidade dos agentes. Assim, pode perceber-se que umas das finalidades fundamentais das políticas públicas de cultura é a de desenvolver o protagonismo cultural da sociedade civil, das populações, dos artistas e criadores, dos grupos amadores, das associações, das indústrias culturais e criativas, na sua potencial diversidade e riqueza de conteúdos.

    As autarquias não podem aspirar a determinar, dirigir, controlar ou tutelar a cultura, mas antes a incentivar uma efectiva participação e a autonomia da pluralidade dos agentes.

    Este entendimento tem como pressuposto de base o dever de autonomizar de forma clara e inequívoca as instituições e os equipamentos culturais públicos (salas de espectáculo, museus, galerias, etc), garantindo as condições de trabalho e a independência aos seus responsáveis. Ao mesmo tempo que se exigem formas de gestão e avaliação intrínsecas a um serviço público de qualidade e catalisador de práticas democráticas regulares. Isto significa que só com um forte pensamento estratégico se pode e deve encarar a dimensão cultural da política e da cidade. Ou seja, medidas avulsas, devaneios pessoais ou eventos sazonais, não são necessários nem suficientes para elaborar uma política cultural!

    Dar primazia ao desenvolvimento e à cultura é, antes de mais, aprofundar a democracia e a cidadania enfatizando a dimensão cultural, ou seja: o desenvolvimento da criatividade e o incremento da inovação. É defender a igualdade de oportunidades, é facultar a expressão cultural, facilitar o conhecimento das várias línguas, é reforçar as relações interculturais. Hoje, a derradeira finalidade de uma política cultural é a de enriquecer o universo de possibilidades abertas às práticas culturais dos cidadãos, intervindo sobre as condições que estruturam essas mesmas práticas:

    · Condições de produção e criação cultural em sentido amplo;
    · Condições de conservação, preservação e valorização do património cultural material e imaterial, bem como de investigação, crítica, divulgação e ensino;
    · Condições de acessibilidade aos serviços e aos bens culturais ;
    · Condições de fruição das artes e dos equipamentos culturais em diferentes modalidades e intensidades.


[1] Sobre esta temática sugiro a leitura do meu texto « Da política de gosto à construção do consenso e vice-versa »


    Políticas Culturais e Democracias Locais: Desafios para as Próximas Eleições Autárquicas continua na próxima semana com o quarto e útimo artigo desta série.
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