21:30 até às 20:00
José Celestino Campusano – Cineasta de Pele Dura

José Celestino Campusano – Cineasta de Pele Dura

Antes de mais é de realçar o facto de – tanto quanto pudemos apurar – toda a filmografia de José Celestino Campusano (ou, como assinou até 2015, de José Campusano) ser totalmente inédita em Portugal. Houve, no entanto, um ensaio/crítica da autoria de Francisco Ferreira, publicado no jornal Expresso em 2018 que apresentava o nome de Campusano ao público português e que dava conta de uma obra pouco vista e bastante subestimada. Se Campusano (cineasta autodidata na verdadeira aceção da palavra) é um outsider, mesmo dentro do seu próprio país, muito mais o é na Europa. Foi alvo de uma retrospetiva no Festival de Roterdão em 2018 (único festival europeu que lhe tem prestado uma mais regular atenção) e pouco mais. Estudou cinema nos anos 80, fez-se à vida em mil outros ofícios e só decidiu começar a fazer cinema tarde, em 2005, aos 41 anos, já com uma forte experiência de vida acumulada. Os filmes de Campusano são cartografias épicas do chamado Conurbano Bonaerense, a imensa franja de território que circunda a capital Buenos Aires e onde se aglomeram mais de dez milhões de desfavorecidos, quase um quarto da população argentina. Os seus heróis prediletos são motoqueiros amantes de heavy metal e as suas mulheres endiabradas, e aquilo que frequentemente os circunda: traficantes de droga e proxenetas, tiros e facadas, mas também músicos vagabundos de “tango-trash” em ambientes de um Mad Max real. Esta malha urbana fixada por Campusano no seu cinema confunde-se com a ruralidade, com carros velhos, edifícios destruídos e baldios a perder de vista: há aqui toda uma ‘fauna’ herdeira de cineastas tão diferentes como Buñuel (de LOS OLVIDADOS), Pasolini ou Fassbinder, regida pelas suas próprias leis, na qual raramente se vê qualquer forma de autoridade do Estado, e que, no fundo, é consequência direta da falência socioeconómica do país. E no entanto, é com uma dignidade e uma nobreza assombrosas que Campusano filma estas personagens do submundo. Em VIL ROMANCE, representou a homossexualidade numa relação em que um amante seviciava o outro até ao insuportável. Com VIKINGO, descobriu no ator Rubén Beltran um motoqueiro justiceiro com aura de John Wayne. FANGO tende para o melodrama de faca e alguidar com uma traição a pedir vingança de mulheres. Em FANTASMAS DE LA RUTA, o mesmo Rubén Beltran resgata uma rapariga vendida à força para uma rede de prostituição: o filme tem mais de três horas mas vê-se como uma soap opera em velocidade de cruzeiro. E em EL SACRIFICIO DE NEHUÉN PUYELLI foi à Patagónia fazer um drama carcerário com a comunidade mapuche Ranquehue, as suas juras de lealdade e os seus códigos de honra secretos. A obra de Campusano permanece até hoje um dos segredos mais bem guardados do cinema contemporâneo, privilégio dos happy few que vão mantendo contato regular com o que se faz de mais marginal no país das pampas. Por razões difíceis de explicar, raras vezes essa obra caiu na grelha dos festivais internacionais fora da Argentina, tão pouco no goto dos seus programadores bem-comportados, sempre alinhados na busca do mesmo ‘produto independente’ de prestígio. Campusano é o contrário disso. O seu cinema é sujo, excêntrico, carismático e bruto (como o nome da sua produtora), único na sua forma de ser humano. Todos os seus atores são escolhidos ora pela sua presença física ora pela sua experiência de vida próxima dos ambientes de submundo em que o cineasta habitualmente se move. Representam com uma desarmada espontaneidade, são figuras que não foram inventadas para o ecrã e, no ecrã, essa diferença é notória. Nas palavras de Campusano: “A interpretação pode parecer má mas eu quero que o corpo dos atores conte a verdade, em vez da técnica a contar mentiras.” O realizador estará presente em todas as sessões do Ciclo entre os dias 19 e 24, havendo além disso, no final da projeção de HOMBRES DE PIEL DURA, uma conversa mais longa sobre a sua obra. Um acontecimento.
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