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MANOEL DE OLIVEIRA - A CASA

MANOEL DE OLIVEIRA - A CASA

Local: Casa do Cinema

A exposição inaugural da Casa do Cinema Manoel de Oliveira incide sobre as múltiplas representações da casa no cinema do realizador, tendo por foco o filme Visita ou Memórias e Confissões (1982). Produzido numa altura em que Oliveira, já septuagenário, se viu forçado a abandonar a casa onde habitou com a família durante mais de quarenta anos, com a determinação de só ser apresentado postumamente, Visita estava predestinado a um estatuto paradoxal: filme de balanço, de memórias e confissões, onde o cineasta recorda o passado ao mesmo tempo que discorre sobre as suas convicções cinematográficas. Visita é também um filme onde se antecipam muitas das realizações — de resto, a parte mais substancial da obra — que, inesperadamente, estavam ainda por vir. O tom é marcado pela despedida (de um lugar, da própria vida), mas o filme acabaria por ser mais profético do que testamentário.

Nele encontramos a mais eloquente expressão da importância que o espaço da casa assume no cinema de Manoel de Oliveira, e que se desdobra nas muitas outras casas que povoam a sua obra: aquelas que dão para a rua, como em Aniki Bóbó (1942) e A Caixa (1994) ou que, pelo contrário, enclausuram no Convento (1995) os diabólicos dilemas da intimidade de um casal. A casa-teatro da farsa burguesa em O Passado e o Presente (1972), a casa-prisão de Benilde ou a Virgem Mãe (1975), as duas casas rivais que precipitam a tragédia em Amor de Perdição (1978) ou os desenganos românticos de Francisca (1981). As casas arruinadas que, com vista para os prósperos solares vinhateiros do Douro, atiçam a erótica social em Vale Abraão (1993) ou comportamentos incendiários em O Princípio da Incerteza (2002). A casa-palco de Mon Cas (1986), onde o cinema é compelido a enfrentar-se teatralmente a si próprio, ou a casa-túmulo de O Dia do Desespero (1992), onde o realizador teatraliza a sua identificação com Camilo Castelo Branco. A casa-navio de Um Filme Falado (2003), a casa-ilha de Party (1996) ou a casa-mundo, asilo de alienados em A Divina Comédia (1991). A casa de onde se foge em O Gebo e a Sombra (2012) ou onde inevitavelmente se regressa em Je rentre à la maison (2001). O estranho caso dessa casa, simultaneamente origem e fim, que, a meio caminho entre recordações e ruínas, é percorrida entre Viagem ao Princípio do Mundo (1997) e Porto da Minha Infância (2001). Ora servindo de motivo para um retrato social do país e uma inquirição do estado do mundo, ora instituindo a construção biográfica do autor como espaço de derivação e centro de gravidade de toda a sua obra, ora, ainda, abrindo portas para o questionamento do ato de filmar e da natureza do cinematográfico, eis algumas das casas que será possível visitar nesta exposição e no ciclo de cinema que a acompanha.

Cenário, temática, símbolo, entidade dramática ou palco, a casa é o território onde se funda a relação entre o privado e o público, o individual e o coletivo. Não é por acaso que este filme da intimidade constitui um primeiro ensaio para NON ou a Vã Glória de Mandar, o grande fresco com que, volvida uma década, Oliveira questiona toda a História de Portugal, desde Viriato à Revolução de 1974. Este choque de escalas estende-se, em Visita, à tensão entre palavra e imagem, entre registo documental e recriação ficcional, entre o visível e o invisível que, além de fazerem do espaço um condensador de tempos diferentes, fazem deste filme — nisso se assemelhando a uma casa — um lugar denso onde se acumulam diálogos e olhares cruzados entre passado, presente e futuro.

Filme de partida e filme de regresso, Visita ou Memórias e Confissões mostra, como nenhum outro filme, que o cinema é uma arte espectral. Um dispositivo fantasmagórico que Manoel de Oliveira nos dá a ver — dando-se a ver — para, numa última palavra e numa derradeira imagem, demonstrar que é possível habitar um filme como se habita uma casa.

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