Aveiro ainda era uma tela refém da lata de quem faz arte e guerra e barulho urbano tudo com latas, só com latas, quando uma enorme e implacável nave cubista, vinda do planeta Zooter, aterrou com estrondo nas paredes da cidade. A rua é a cena da miúda. É pintar por aí fora como quem pinta por muita gente adentro e da cidade para fora e da humanidade ali para dentro. Espacial que é, a nave de Zooter não quer bater com a porta, mas quis e quer bater noutras. Começa por entrar no Avenida Café Concerto para se desconsertar a si e a nós numa exposição que busca, destrói e questiona a Identidade. O reconhecimento de si e do outro. De Zooter, o que há no seu trabalho que a identifica ao longe, mais que uma farta e agitada fanfarra de caracóis. Dos outros, os traços que limitam as paredes dos seus corpos e as linhas que assinalam o que não se expõe à partida. Zooter não expõe à partida. Mas expõe-se, finalmente, agora. Agora, lá para dentro, leva rostos, muitos rostos. Há mulheres e animais de rostos decepados, alterados, decompostos como se alguém os tivesse colhido depois de uma batalha e montado tudo atabalhoadamente outra vez. Ainda funcionam. Há tábuas de skate cortadas à unha, a carne confunde-se com o objecto, a tela é o que Zooter quiser. Amarelo, vermelho e azul cumprimentam o colega modernista que pintava formas geométricas que conviviam, todas diferentes, na mesma rede. Assim vai Zooter, pintando a diferença para que coabitemos todos nesta tela bem maior não só que esta Identidade, mas que qualquer identidade. O bom de sermos muitos é que podemos ser todos divergentes e, mesmo assim, sermos parte da mesma peça. A rua é a cena da miúda, mas o que é mesmo a cena da miúda é a miúda poder fazer a cena dela. Texto de Maria Inês Santos