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Terrain Vague

Terrain Vague

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FOTOGRAFIAS DE ANA BORGES | NOVO TALENTO FNAC FOTOGRAFIA 2016, MENÇÃO HONROSA

Terrain Vague, conceito que nomeia este trabalho, define, pelas palavras de Ignasi de Solà-Morales, espaços expectantes, (…) mais ou menos indefinidos nas periferias difusas. São manchas de “não-cidade”, espaços ausentes, ignorados ou caídos em desuso, alheios ou sobreviventes a quaisquer sistemas estruturantes do território.(1) Este projeto desenvolve-se, assim, em torno desta ideia de um território urbano indefinido, mutável, hipotético, vazio, portanto, como ausência, mas também como promessa, como encontro, como espaço do possível, expectativa.(2) As ruas e estradas fotografadas são o arranque de novas infraestruturas, espaços de esperança, são também, lugares de ambiguidade e de indeterminação, de instabilidade e de incerteza que apenas garantem a metamorfose, em diferentes possibilidades, da malha urbana.

A ideia inicial surgiu durante algumas viagens de metro realizadas entre o Porto e a Póvoa de Varzim, onde foi percepcionada a repetição destes cenários, destas vias em suspenso e, consequentemente, do estado de constante mutação, por ação humana, da paisagem.

A construção da linha de metro do Porto, desde 2001, veio alterar profundamente a paisagem urbana. Em seu redor foram construídos novos projetos arquitectónicos e de engenharia, antevendo e desejando o crescimento urbanístico consequente. Contudo, algumas destas vias ficaram, até hoje, estagnadas, aguardando que a iniciativa privada ocupe e construa nestes locais, acompanhando o empreendimento público.

Estas vias são espaços sem tempo, isto é, onde o tempo se suspendeu, são nenhum lugar, não-lugar, utopia. Espaços marginais, em estado transitório, abrem-se então a todas as expectativas, tornam-se promessa de lugar, são como vestígios, achados arqueológicos, de um futuro possível. Entre a cidade imaginada e a cidade imaginável surge, assim, uma cidade imaginária que existe no campo incerto das possibilidades, que permite que o espectador/habitante, momentaneamente ausente de ordem, e presente na ausência, contemple a cidade de fora para dentro.

A abordagem realizada passou por uma recolha tipológica, recorrendo a um enquadramento e uma composição idênticos. A repetição foi utilizada com o intuito de, através da uniformidade, acentuar as características, específicas e distintas, de cada um destes locais. As variações e mudanças na paisagem demonstram o percurso realizado, convidando o espectador a percorre-lo também, e a imaginar novas possibilidades e cenários, a partir destas imagens de uma cidade genérica.

Além da obra, Terrain Vague de Ignasi de Solà-Morales, o livro As Cidade Invisíveis de Italo Calvino é uma forte referência, pela poética descrição da mútua influência entre o espaço urbano e o elemento humano. Os lugares descritos são cidades imaginárias que,

embora, por vezes, arquétipos, apresentam elementos diferenciadores que tornam, paradoxalmente, cada cidade única. Esta obra revela que o número de possíveis cidades é infinito, cada urbe é única na sua paisagem e na construção do seu espaço pelos seus habitantes.

O trabalho teve ainda como referência o livro Não-Lugares: Introdução a uma Antropologia da Sobremodernidade, de Marc Augé, no qual, este aborda o crescimento do território urbano e as suas consequências. Contudo, a referência não é direta, pois, as vias fotografadas, embora estejam ligadas ao aumento do território urbano, não se inserem na definição do autor de não-lugar, ainda que sendo espaços abstractos e banais, existe nestes, com igual força, o potencial de se transformarem em não-lugares, ou pelo contrário, através da construção e do questionamento de identidade e da história, de se transformarem em lugares.

As fotografias foram captadas entre o Porto e a Póvoa de Varzim, em locais como novas infraestruturas, loteamentos habitacionais e industriais, em desenvolvimento e abandonados, e em aberturas de novas ruas. Os espaços foram previamente visitados de modo a procurar as melhores condições para fotografar.

Este trabalho, Terrain Vague, pretende representar uma espécie de “Outro” da cidade onde se questiona, através do distanciamento, um processo de apropriação acrítico. Estas imagens procuram colocar o indivíduo/espectador num espaço, físico e mental, cujo modo de percepção vai passar além dos limites desse mesmo espaço, criando uma oportunidade de alternância, de utopia, de distância para a contemplação, que não deixa de ser parte integrante da cidade. Procura uma compreensão do espaço urbano como um território vivo, em metamorfose, que respira e responde a diferentes estímulos. A paisagem urbana é assim representada como símbolo de mudança, de expectativa e de crescimento, em todas as suas facetas, sejam estas positivas ou negativas. Estas ruas e estradas são como o repertório do potencial, do hipotético, do que não é nem foi nem talvez seja alguma vez, mas que poderia (ou pode ainda?) ser.(3)

Ana Borges

1) Ignasi de Solà-Morales in “Terrain Vague” in “Anyplaces”, 1995

(2) Idem

(3) Italo Calvino in “Visibilidade” in “Seis Propostas para o Novo Milénio”, 1988 (a expressão entre parêntesis – ou pode ainda? – não pertence ao texto original)

Fonte: http://www.culturafnac.pt/terrain-vague-2/
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