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Rui Toscano: Eu Sou o Cosmos

Rui Toscano: Eu Sou o Cosmos

"Imaginação cósmica
 
As obras que integram Eu Sou o Cosmos  vêm dar continuidade a uma série de trabalhos que Rui Toscano iniciou há cerca de 10 anos e que teve um momento de maior visibilidade com a exposição Civilização Tipo I, II e II apresentada no Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado e no Centro Internacional das Artes José de Guimarães, em 2016. São obras em que o artista prossegue uma investigação motivada por questões associadas à percepção do espaço e do tempo, e correlativas articulações com a experiência da imaginação, tomando como ponto de partida temáticas afectas à exploração espacial, frequentemente em diálogo com imagens de figuras e arquitecturas de civilizações antigas. Deste modo, o artista convoca modos e visões que o homem foi construindo em relação ao cosmos e simultaneamente explora ligações formais, metafísicas e simbólicas entre referências de um passado longínquo e recôndito e a antevisão do futuro simbolizada pela descoberta espacial.

A diversidade de motivos é correspondida por um amplo espectro de suportes, onde se incluem pinturas, desenhos, fotografias, vídeos, esculturas, como também equipamentos de som e dispositivos de projecção de imagens, entretanto transitados para o estado de obsolescência, mas que no universo criativo de Rui Toscano adquirem um inusitado valor plástico e conceptual – a este nível é de destacar o notável conjunto de esculturas com boomboxes que o artista vem produzindo desde meados da década de noventa.

Tudo se conjuga como elementos de uma constelação constituída por uma profusão de materiais, tipos de imagens, técnicas e referências históricas e culturais, como um espaço propenso à mobilização de uma imaginação sem horizontes pré-estabelecidos e no qual todas as intersecções e convivências são potencialmente férteis. Assim se percebe a coexistência de representações da Antiguidade com imagens intrínsecas a uma cultura visual reformulada pelos dispositivos tecnológicos e fortemente organizada em torno das potências da imaginação, cruzando conhecimento científico e práticas da ficção, designadamente do cinema e da literatura. É neste contexto que os filmes 2001 – Odisseia no Espaço (1968) e Blade Runner (1982) configuram um território pleno de ideias e possibilidades para esta fase da trajectória artística de Rui Toscano. Acrescente-se que muitos dos seus trabalhos assentam numa prática de apropriação e de reutilização de imagens, retirados de publicações científicas, enciclopédias, fotografias ou excertos de filmes, que são depois sujeitos a um processo de colagem ou (re)montagem de elementos que suscitam entre si relações temáticas, estéticas ou conceptuais.

No interior desta peculiar cosmologia Toscano relaciona tempos e lugares distintos, o visível e o invisível, a natureza e o homem, investe no jogo multiforme das polaridades. Observe-se a peça Ilha constituída por duas projecções sobre as duas faces de uma peça vertical e irregular de mármore. Trata-se de um confronto entre dois arquétipos visuais, o interior de uma gruta e uma enorme explosão. É também o confronto entre dois tipos de movimento, dois ritmos, o lento e matérico, que é intrínseco à natureza, ao devir geológico, e o movimento abrupto e destrutivo, com origem na acção dos homens. Algo semelhante poderá ser percepcionado pelo confronto entre The Dawn of Man, uma escultura vertical com várias boomboxes, uma torre que desce do tecto, e Afterlife, um desenho que representa uma coluna ascensional de pirâmides do Egipto, uma construção monumental que evoca o mito da Torre de Babel.

A presença das obras numa mesma exposição revela a importância que a montagem assume nas opções instalativas de Rui Toscano. A montagem é pensada a partir da faculdade de encadear espacialmente diferentes suportes e tipos de imagem, de construir uma sintaxe visual, como uma oportunidade de ultrapassar os constrangimentos da obra isolada e, paralelamente, de estruturar um espaço de imagens que o espectador tem de relacionar, dando ou não sentido às partes individuais. Porém, nada é autónomo porque cada segmento é também definido pelos outros, o que implica uma leitura modelada por um jogo de acumulações.

Sabemos que o fascínio humano pela descoberta do espaço e pela imensidão do universo é proporcional ao seu mistério, ao seu desconhecimento, à sua incompreensibilidade. Entre as cosmologias da Antiguidade e a exploração espacial, entre os domínios da mitologia e da arqueologia, entre o conhecimento cientifico e as narrativas criativas, encontramos um enorme e conexo campo da imaginação, onde se sobrepõem ficção e realidade. No espaço supomos que as leis da vida e da física sejam mais diversas e complexas das que conhecemos. É portanto um lugar propício para indagar declinações do imaginável e do figurável.

Com efeito, a prática artística de Rui Toscano valoriza a capacidade de intensificar e deslocar imaginários, o que muitas vezes implica o jogo intermedial, a criação de representações que pressupõem cruzamento e porosidade entre meios: desenhos a partir de detalhes de fotografias, desenhos que aparentam ser fotografias, esculturas sonoras, vídeos em que o movimento é quase indiscernível, projecções sobre objectos. É isso que constatamos, por exemplo, no conjunto de desenhos de pontos negros que depois de invertidos passam a ser pontos de luz, uma profusão de objectos estelares que constituem aglomerados globulares dispersos num plano do universo. São desenhos que jogam com a escala, entre o ínfimo (o ponto de tinta) e o incomensurável (o infinito negro) do espaço sideral. A negativização do desenho aproxima-o da aparência de uma fotografia, adequando-se ao nosso inelutável impulso imaginal, a tendência para querermos discernir representações em todas imagens, sejam mais figurativas ou abstractas.

Todo este conjunto de trabalhos prefigura um campo de possibilidades estéticas e conceptuais onde a expansão dos limites perceptivos é intensificado e desafiado. Neste conjunto de preocupações convém salientar uma série de pinturas que Toscano iniciou em 2015. São pinturas de grandes dimensões, quadradas e monocromáticas, mas onde é possível vislumbrar dois círculos, um maior e menos perceptível, devido aos seus contornos difusos, e no seu interior um bem mais pequeno e delimitado que, segundo o artista, pretende sugerir a ideia de uma estrela em close-up, a perspectiva de uma estrela olhos nos olhos.

São pinturas que estimulam o olhar, que nos fazem avançar e recuar. Por vezes as formas circulares são mais perceptíveis para subitamente se transformarem numa massa ora fixa ora oscilante, desvelando sensações, humores e um movimento interno perante qualidades vibrantes e imanentes à pintura. De forma explícita o artista explora fenómenos fisiológicos da cor e da luz que, por serem produzidos no corpo do observador e a ele indexados, pertencem exclusivamente ao domínio desse corpo.

Habitamos as condições da nossa percepção. Eu Sou o Cosmos. Sabemos que as imagens são produtos de um meio, com as suas características ontológicas e conotações culturais. Mas sabemos também que a experiência de cada imagem é igualmente um produto de nós próprios, do nosso corpo como um meio vivo de imagens. Efectivamente, o lugar por excelência das imagens e da imaginação é o corpo. É precisamente a partir desse sentido de corporalidade das imagens que Rui Toscano nos incita a perceber que a exploração do espaço começa no interior dos nossos olhos, num corpo e na imaginação que também o constitui."


Sérgio Mah 
 
 
 
Mais informação: 
http://www.cristinaguerra.com/artist.work.php?artistID=17
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