13:00 até às 14:00
Haydn, Amaral - Solistas da Metropolitana

Haydn, Amaral - Solistas da Metropolitana

A combinação num mesmo programa do Quarteto de Cordas Op. 9/2 de Joseph Haydn com o Quarteto de Cordas N.º 1 de Pedro Amaral resulta numa experiência paradoxal. É notório o contraste entre texturas sonoras tão diferentes, o que ilustra bem a dificuldade de encontrar hoje um denominador comum ao vasto conjunto de experiências musicais que se oferece. Mas trata-se de duas posturas criativas que convergem na mesma tradição clássica europeia. Assim, proporciona-se a contemplação de antípodas históricos e estéticos, mas também de duas práticas de composição que têm bastante mais em comum do que a aparência alcança. Para lá da manifesta utilização de um dispositivo instrumental coincidente, vislumbra-se uma densa rede de correspondências que desperta um interesse de escuta complementar à experiência sensorial imediata.

Existe uma relação essencial entre a música de pendor estruturalista contemporânea e o classicismo musical austríaco da segunda metade do século XVIII. Com efeito, Haydn foi pioneiro de uma linhagem de pensamento musical originalmente enquadrada no esclarecimento iluminista que, de uma forma ou de outra, ainda hoje se espelha na cultura ocidental. Destaca-se, como exemplo, a separação entre a função social e a obra musical, questionando a sua vocação exclusiva para o lazer. Em vez disso, prevalece a ideia de que a música também comunica sem a mediação do gosto e interpela diretamente o âmago do indivíduo. Emerge assim da partitura uma aspiração à Universalidade, independente dos fatores Tempo e Lugar, o que nos introduz o conceito de «música pura». Em seu torno, desenvolve-se uma autorreferencialidade, um conjunto de normas e metodologias próprias, dando azo a uma forma transcendental de conhecimento. A música revela-se, ela mesma, como pretexto principal, e não como elemento acessório.

Neste contexto, o Op. 9 de Haydn tem importante relevo histórico. Consiste num caderno publicado em 1771, muito embora reúna seis quartetos de cordas compostos nos anos anteriores. O conjunto traduz-se como marco de um estilo de escrita que buscava alternativa à saturação sentida em meados do século XVIII diante da música barroca. Consolida uma série de inovações que haviam sido desenhadas nas duas décadas anteriores e, simultaneamente, apontava caminho ao futuro. Uma das transformações mais substanciais foi a divisão da partitura em quatro andamentos, diluindo definitivamente a sequência de danças característica das velhas suítes. Os primeiros andamentos tornaram-se mais extensos e as secções de desenvolvimento assumiram importância no discurso. Era evidente a crescente complexidade formal, o que obrigava a maior atenção por parte dos ouvintes – habituados que estavam a lidar com os «Divertimentos Musicais». O mesmo acontecia com os intérpretes, a quem se exigia maior concentração e esforço intelectual.

Todas estas características se encontram no Quarteto em Mi Bemol Maior. Nele sobressai maior diversidade rítmica e melódica dos temas, desenvolvimentos motívicos elaborados e uma construção formal ambiciosa, sobretudo no primeiro andamento. Continua a destacar-se a predominância virtuosística do primeiro violino, mas agora num registo contínuo de conversação onde todas as partes comungam de um espírito comum, com aparente liberdade de intervenção a cada momento. No todo, reconhece-se a predisposição para explorar novas soluções compositivas, mas sem romper completamente com o passado, já que nos restantes andamentos é possível identificar sonoridades que seriam mais consensuais na época. Também aqui, a inovação coexiste com a consciência histórica, ideia que nos conduz ao Quarteto de Cordas N.º 1 de Pedro Amaral, de 2003.

Reformulando paradigmas históricos, pelo genuíno propósito de buscar novo conhecimento e com recurso a uma liberdade criativa configurada em critérios rigorosos e determináveis, o compositor português fundou a construção desta obra sobre o número 4, algarismo que ressalta em primeira instância do formato para que se propôs escrever. Na sua dimensão simbólica abstrata, o número 4 projeta-se de maneira exaustiva no desenrolar dos parâmetros elementares da obra. Desde logo, nas relações intervalares, com prevalência da 3.ª Maior, cuja natureza material sobrepõe duas notas separadas por 4 meios-tons (4 vezes a «distância» que separa duas teclas contíguas do piano). Este intervalo está na génese de todo o percurso harmónico explanado na partitura. De igual modo, o modelo estrutural que inspira a organização rítmica dos eventos também provém do número 4. A subdivisão múltipla de unidades de tempo evolui em alternâncias e inflexões que se distinguem ao longo do tempo. Junta-se ainda uma divisão quadripartida da organização formal da obra, ainda que sem interrupções. Em cada uma destas secções destaca-se sucessivamente cada um dos instrumentos: o Violino II, primeiro, seguido da Viola, do Violoncelo e, por fim, do Violino I.

Texto de Rui Campos Leitão

HAYDN, AMARAL | Temporada Música de Câmara

Solistas da Metropolitana

J. Haydn - Quarteto de Cordas N.º 2, Op. 9, Hob.III:20

P. Amaral - Quarteto N.º 1 

Ana Pereira e José Teixeira, violinos
Joana Cipriano, viola
Marco Pereira, violoncelo

#entradalivre

[créditos da fotografia: (c) Joel Santos - www.joelsantos.net]
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