ESPECTÁCULO DE VERÃO de Tiago Vieira. A catástrofe é uma das possibilidades de compreensão do mundo. As grandes catástrofes podem originar-se através de decisões que alterem o sentido das coisas. Tomar uma decisão é uma tarefa cada vez mais difícil. Os abutres não suportam que alguém tome uma decisão, porque se tudo é relativo, frase quase insuportável no discurso quotidiano, espera-se dos corpos uma morte permanente, porque os mortos não incomodam, perpetuam, e os fracos abutres com pretensões de pavão esperam permanecer no poder. Os que tomam decisões acabam por se tornar corpos-ilhas, corpos-catástrofe, corpos-ruptura, corpos-excluídos, corpos que reivindicam o seu lugar de corpos. Ser corpo é, em si, um discurso político. Só é possível ser um corpo-eu, se tivermos uma predisposição para a catástrofe e para o caos. Só no caos poderemos compreender a plenitude dos nossos corpos-monstros com um terrível vício de beleza. Tendo como base, uma memória física das Três Irmãs de A. Tchékhov, e uma sombra muito ténue de alguns mitos: Filoctetes, Nina, Ofélia, Tréplev, Hipólito, Julieta, Ricardo III; procuramos uma possibilidade de realidade cénica, de acontecimento performativo próximo de um Carnaval demente, onde as palavras ganham uma potencialidade coreográfica, onde o silêncio é o que fica no fim, uma orquestra que não pára de tocar infinitamente. Os corpos conscientes da sua juventude procuram a superação da exaustão, e a quebra da ideia de que "amanhã é que será bom". Porque a vida é outra, a vida tem realmente de ser outra. Este espectáculo é para a Teresa, porque existir é desfazer a hipocrisia com mãos delicadas; para o Rui, porque tatuou na pele a frase "a vida é outra"; para a Anabela, porque até uma sósia do bebé do Windows pode ser trágica; para a Nádia, porque só os corpos que resistem podem construir revoluções; para o Tiago, porque a violência de um corpo é o início da mudança; para o Mário, que conseguiu fazer da sua timidez um acto de transgressão; para a Ana, que conseguiu dizer NÃO. "Eu não sou como tu" não é um espectáculo arrogante ou cínico, tão ao gosto dos pós-modernos já mortos. É um espectáculo clássico, com laivos de romantismo. É um espectáculo Pina Bausch pós favela. Um espectáculo Parque Mayer pós punk. Este espectáculo é um conjunto de derrotados, a fazerem o que podem, não uma festa nem um Apocalipse, mas a tentarem resistir a uma insónia longa, demasiado longa. Para terminar, gostava só de dizer que, ontem, vi um nadador salvador a transportar uma gaivota morta numa pá... e basta! ENCENAÇÃO: Tiago Vieira COM: Ana Libório, Anabela Ribeiro, Mário Coelho, Nádia Yracema, Rui Raposo, Teresa Machado e Tiago Costa 22, 23 e 24 e Julho às 21h00 Lugares limitados. RESERVAS para latoaria.do.monte@gmail.com