Sr. Calvino por Álvaro Correia O Sr. Calvino gosta de dar longos passeios e coloca constantemente desafios existenciais a si próprio, tais como transportar pelo bairro uma barra metálica paralela ao solo, ou levar 10 kg de terra de um local para outro, utilizando uma colher de chá – para treinar a paciência. «Do alto de mais de trinta andares, alguém atira da janela abaixo os sapatos de Calvino e a sua gravata (quem?). Calvino não tem tempo para pensar, está atrasado, atira-se também da janela, como que em perseguição. Ainda no ar alcança os sapatos. Primeiro, o direito: calça-o; depois, o esquerdo. No ar enquanto cai, tenta encontrar a melhor posição para apertar os atacadores. Com o sapato esquerdo falha uma vez, mas volta a repetir, e consegue. Olha para baixo, j á se vê o chão. Antes, porém, a gravata; Calvino está de cabeça para baixo e com um puxão brusco a sua mão direita apanha-a no ar e, depois, com os seus dedos apressados, mas certeiros, dá as voltas necessários para o nó: a gravata está posta. Os sapatos, olha de novo para eles: os atacadores bem apertados; dá o último jeito no nó da gravata, bem a tempo, é o momento: chega ao chão, i mpecável.» "Em determinados dias, o seu cérebro emocionava-o o suficiente, e por isso podia evitar outras emoções circunstaciais." _________________ Vizinhos uns dos outros, que nos abrem as portas de suas casas e oferecem instantâneos de uma realidade sui generis, com situações insólitas, cómicas, algumas cruéis, ou mesmo trágicas. Este ciclo de Teatro Radiofónico começa por apresentar ao público seis Senhores. Seis livros, seis histórias, seis atores, seis espetáculos, vários micros; sapatos, panelas, lápis, pratos, porta, janela, água, tralha. Muita tralha. Um músico, um cadeirão e um belo candeeiro. A cada Senhor corresponde um livro, a cada livro corresponde um ator. Um músico que envolve o livro com os sons que o livro tem. Iremos retirar o Bairro do papel e transformá-lo numa onda sonora. Haverá dois públicos, "o que vê e ouve" e "o que ouve e imagina". O que vê e ouve estará connosco no teatro, vê o ator e o músico, vê como se produzem os sons que se vão ouvir na rádio, vê todo o espetáculo que o público que está em casa "ouve e imagina". Partilhamos assim, ao vivo, o Teatro Radiofónico.” Teresa Sobral _________________________________________________ Texto: Gonçalo M. Tavares Direção artística do projeto: Teresa Sobral Músico/Sonoplasta: Miguel Curado Atores/Senhores: José Raposo, Filipe Duarte, Bruno Nogueira, André Gago, Miguel Loureiro, Álvaro Correia Direção de Cena, Operação de Luz e Som: Diogo Aleixo Produção: Teatro da Trindade INATEL Parceria: Antena 2 Apoios: Núcleo Museológico da RTP; Caminho/LeYa