Nova Atena Universidade Sénior de Linda-a-Velha
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"O Americano Tranquilo" - Phillip Noyce. C/Michael Caine, Brendan Fraser, Hai Yen. 96 M. 2002
Graham Greene, o escritor. Já nos cruzámos com ele no filme "Santa Joana", do Otto Preminger. Foi o argumentista desse filme a partir da peça de teatro homónima de George Bernard Shaw. Como sabem, Graham Greene (1904-1991) foi um dos grandes escritores do século XX. Jornalista, dramaturgo, argumentista e romancista. Alguns dos grandes livros do nosso tempo foram da sua autoria.
O Prémio Nobel não lhe foi atribuído, um dos grandes falhanços da instituição norueguesa (há mais... nos últimos anos, António Lobo Antunes e Philip Roth, pelo menos). Personagem complexa, atípica, nem sempre fácil de posicionar nos quadrantes do pensamento do seu tempo. Foi do Partido Comunista inglês e foi assumidamente católico (ele, de um país orgulhosamente protestante). E foi também, durante a guerra, um homem dos serviços secretos ingleses. Foi o responsável pelo sector ibérico (Portuguese Desk) do MI6, contra espionagem. Além disso foi amigo do célebre espião inglês, o traidor Kim Philby, agente duplo, que, no auge da guerra fria, se passou para os soviéticos com grande escândalo em 1963. Graham Greene visitou-o várias vezes em Moscovo, amigos amigos, política e ética à parte.
Graham Greene foi uma espécie de recolector na sua vivência de escritor. Na circulação pelo mundo ia buscando factos e personagens que transfigurava em ficções. America Latina - México ("0 Poder e a Glória"), Cuba (antes de Fidel e Che), Haiti ("Os farsantes"), Argentina ("O cônsul honorário"). Também criou ficções em África em torno das colónias inglesas.
"O Americano Tranquilo" passa-se no sudoeste asiático. O livro foi publicado em 1955 e a acção decorre em 1952, no Vietname, ou antes Indochina. Recuemos mais de um século. O Império Colonial Francês na sua extensão a leste. Desde 1887 que os franceses se apoderaram de um extenso território englobando três identidades nacionais - Vietname, Laos e Cambodja.
Chamavam -lhe Indochina.Da muita riqueza de que se apropriaram a mais significativa foi a borracha. A colonização a ferro e fogo servia os grandes interesses da burguesia de Paris. As fortunas acumulavam-se desmesuradamente. Quando a borracha deixou de ser essencial para os mercados (sucedâneos químicos mais baratos e funcionais) foi a debandada. No fim dos anos 40, princípio de 50, os processos de independência ocorreram com alguma naturalidade, mas pressionada e pervertida pela resistência política. Os franceses sofreram uma humilhante derrota militar (Batalha de Dien Bien Phu) em 1954 e puseram-se a andar com o rabo entre as pernas.
Depois é o caos. Ainda mais caos. A guerrilha comunista, bem organizada, a conquistar o poder, nacionalismos exacerbados, lutas fratricidas, atentados bombistas, jogo sujo, uma terra de ninguém mergulhada em sangue. Em pano de fundo era a guerra fria em elevada propulsão. A América, que se tinha enterrado na Guerra da Coreia em 1950, tinha começado a apoiar a França, com armas e munições e conselheiros militares. Era a estratégia da contenção do comunismo. Passados uns anos, os EUA estavam atolados no pesadelo do Vietname (1965-1973) e não saíram de lá vivos.
É neste contexto histórico e geográfico que decorre a acção. Saigão. Thomas Fowler (Michael Caine) correspondente do "Times" de Londres, jornalista sénior, já viu muito, já escreveu muito. Conhece aquele mundo como as palmas das suas mãos. Na verdade, já é o seu mundo. Londres está muito longe. Alden Pyle (Brendan Fraser), americano, jovem, técnico oftalmológico falso, na verdade um agente da CIA, altamente preparado (até falando vietnamita). Phuong (Hai Hien), uma jovem vietnamita, bela, exótica e misteriosa, a fazer pela vida. Oscilante entre o amor e a protecção do jornalista inglês Fowler e o amor e um futuro aconchegado (casada) na América com Pyle.
No vaivém dos afectos, a dureza do estado de guerra civil. Um grande atentado bombista, que mata muitos cidadãos, orquestrado pelos americanos para ser atribuído aos comunistas revela a essência das coisas. Naquele mundo de loucura a traição e o crime são a normalidade. A duplicidade é alimentada pelas sombras (o pacato, gentil e profissional secretário de Fowler é um assassino quando a sua causa o justifica). Nada é o que parece.
O jovem americano da CIA é assassinado, o jornalista sénior continua a cobrir o conflito no futuro e a jovem vietnamita volta ao amor antigo. Se calhar, quando vamos vendo as primeiras páginas dos artigos escritos por Fowler - mostrando a evolução monstruosa do conflito nos anos seguintes - já ela não fará parte da história.
Phillip Noyce é um australiano que não resistiu ao fascínio de Hollywood e por lá tem feito alguns filmes interessantes. Pegou na ficção de Graham Greene, mas em segunda via. Já em 1958 Joseph L. Mankiewicz, realizador , argumentista e produtor ("Júlio César", "Eva", "Condessa Descalça") tinha feito uma primeira adaptação ao cinema, com a qualidade do grande mestre que ele era, mas com o argumento enviesado pró-americano (Graham Greene ficou furioso com a omissão da mensagem anti-guerra do livro), muito menos neutro do que a proposta do escritor que se pode sintetizar no que ele escreveu: "A natureza humana não é preto e branco mas preto e cinzento."
Esta versão é muito mais fiel ao texto original. Aquela sensação escorregadia que se apropria dos corpos e das coisas, o calor, a chuva, a humidade do ar. O sentido negativo da história que aprendemos na ligação desequilibrada daquele trio como que aponta para o futuro que Francis Ford Coppola iria encenar umas décadas depois em "Apocalipse Now". O horror. Nada tem sentido. Mas isso é outra história.
Jorge Barata Preto
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