Sex, 19 dez'14 às 21:00 · Teatro Regional da Serra do Montemuro · Serões na Serra A palavra com som, cor, corpo e alma. Um duo com muita gente dentro. “A palavra falada é imediata, local, geral.” Fernando Pessoa José Rui Martins e Luísa Vieira partilham o palco num exercício de comunicação, explorando a musicalidade da palavra e a simplicidade de dar voz a seduções emotivas. A leitura poética voando em múltiplas geografias com sonoridades que a embalam e impacientam. “(…) A palavra escrita, ao contrário, não é para quem a ouve, busca quem a ouça; escolhe quem a entenda, e não se subordina a quem a escolhe.” Fernando Pessoa A interpretação poético-musical a renovar-se na inspiração da palavra. O poema adquirindo novas matizes, corpos e a humanidade em que respira. A palavra migrando em sonhos, sobressaltos, pavores e coragens. Insubmissa e irreverente. “No ofício da verdade, é proibido pôr algema nas palavras.” Carlos Cardoso A música em incessantes movimentos, adoçando e resistindo a sentires e sentidos por onde a palavra devaneia. “Com raiva, o poeta inicia a escrita como um rio desflorando o chão. Cada palavra é um vidro em que se corta.” Mia Couto Palavras de sabor poético ditas e musicadas. Momentos íntimos e despretensiosos espalham recados de indignação ou carinho pelos segredos da vida e por uma felicidade de compartilhar desassossegos. “[Palavra] Gritado é força Às vez é fraqueza Rimado é beleza Rumado é blá-blá Xintido é oraçon Di bô é simplesmente um língua na nha boca" Mário Lúcio Sousa Poesia ambulante? Música à solta? Tão somente, palavras e sonoridades cruzadas por um duo que naturalmente teatraliza situações e sentimentos sinceramente expressos. “A palavra madura é espetáculo. Canta. Vive. E respira. Para tudo isso basta uma mão inteligente que a trabalhe, lhe dê a dimensão do necessário e do sentido e lhe amaine sobre o dorso o animal que nela dorme destemido.” Eduardo White Os inúmeros espetáculos realizados não provam mais nada que não seja o prazer de fazer de cada palco um espaço de relação emotiva com audiências que saboreiam um duo com muita gente dentro. Teatros, bares, bibliotecas, escolas, hospitais e espaços não convencionais têm acolhido este espetáculo que se ajusta a audiências distintas, procurando estreitar distâncias entre o público e a declamação teatral musicada. “Cada palavra é dita para que não se oiça outra palavra. A palavra, mesmo quando não afirma, afirma-se. A palavra não responde nem pergunta: amassa. A palavra é erva fresca e verde que cobre os dentes do pântano. A palavra é poeira nos olhos e olhos furados. A palavra não mostra. A palavra disfarça.” José Saramago Se é certo que não há coisa sem nome, também é certo que há recantos da vida que não se podem traduzir por palavras. Mas até esses têm uma – indizível. É a palavra que gera convergências e conflitos, lágrimas, sorrisos e gargalhadas, abraços e adversidades; que reflecte reverências e sarcasmos, proximidades e distâncias. A palavra é sede e sede de criação e liberdade. Vale dizer que a música, o gesto, a pintura, como formas de expressão e comunicação, terão mais universalidade e menos fronteiras. Mas não são elas igualmente pautadas por códigos, discursos e gramáticas de muito diversas geografias sociais e culturais? Não terão as suas próprias fronteiras? É que a palavra também não tem pátria. É, ela própria, pátria; uma das muitas pátrias dos nossos afectos. A palavra tem som, cor, corpo e alma. É verdade que as palavras às vezes (tantas vezes…) cansam. Quando nos vêm só falar. E nada nos vêm dizer… João Luís Oliva http://www.acert.pt/trigolimpo/registo.php?id=60