17:00
Exposição III FDL 2014: 'Barra das Almas' de Valter Vinagre e Pedro Guimarães

Exposição III FDL 2014: "Barra das Almas" de Valter Vinagre e Pedro Guimarães

7 Dezembro 2014
17h00

IDANHA-A-NOVA
CENTRO CULTURAL RAIANO

EXPOSIÇÃO | INAUGURAÇÃO
“Barra das Almas”
de Valter Vinagre
com a presença do fotógrafo

Destinatários: TODOS

Como representar o tempo? Como, através de uma imagem, falar desse conceito tão fugaz e elusivo, que experimentamos através de palavras como duração, movimento, mudança, e que no entanto parece fazer tão intimamente parte de nós que a distância necessária para o pensar parece impossível de estabelecer?
Ao olhar para esta série de fotografias Barra das Almas, de Valter Vinagre, sabemos por instinto que, apesar da sua data recente, se referem a um tempo que não é o nosso. Um tempo pré-moderno, onde a máquina não determinava ainda a vida dos homens e as horas e os dias se sucediam pautados por calendários antiquíssimos. Não há homens e mulheres maduros nestas imagens, apenas um casal de idosos e uma criança, enfeitada de frutos como um jovem deus pagão, que reabre o ciclo da vida que adivinhamos fechar-se em breve.
Tudo, nestas imagens, é marcação do tempo no lugar de Barra das Almas, como o poderia ser noutro local qualquer isolado, periférico, abandonado, de um país obrigado a esquecer as raízes que o sustentam de pé. Quando visitou o local, Valter Vinagre propôs-se documentar a vida de uma pequena comunidade rural prestes a desaparecer. Integrado agora numa Europa de agricultura concebida à escala global, onde as pequenas explorações domésticas deixaram de poder ser competitivas, o campo, como em tempos o conhecemos, dá a pouco e pouco lugar aos baldios incultos, às produções em grande escala de desconhecidos senhores, a ruínas prestes a serem vendidas a conglomerados de resorts e spas destinados ao alívio momentâneo do stress citadino. No mundo de hoje, no continente europeu em que vivemos, esta e outras centenas de Barras das Almas esperam pacientemente o seu fim, sabendo que com o último casal partirá a memória do viver da terra, de saberes outrora transmitidos de geração para geração e agora estéreis, de um modo de estar na vida, de experimentar o espaço e o tempo.
E é de espaço e de tempo que, no fundo, aqui se fala. Com a linguagem própria da fotografia e o olhar único de Valter Vinagre, que sabe falar do fim próximo de um mundo sem tocar – nem focar – os agentes desse fim. Nas imagens do casal que ainda vive em Barra das Almas não vemos qualquer referência à máquina, à produção massificada, a um elemento que seja desse novo modo de usar a terra sem o respeito e a decência que ela exige. Sem um trabalho que é feito com as mãos que cavam, regam, semeiam, matam, colhem.
Por isso, este tempo é outro. Entendemo-lo com um espaço, este espaço também tão longínquo da cidade onde vivemos. Nem existe outro modo de conceber o tempo a não ser indissociavelmente ligado a um espaço. Quanto tempo leva a percorrer a distância que nos separa de Barra das Almas? Provavelmente, mais do que as centenas de quilómetros marcadas nos mapas, medida inventada por nós para nos situar no mundo mas que nada diz do universo simbólico que aqui encontramos. Um universo feito dos quatro elementos – terra, ar, água, fogo -, mesmo quando um deles apenas se intui num pendão enfunado com o vento ou na direcção do fumo de uma queimada. Mesmo quando estes elementos são continuamente atravessados por sinais de morte: a faca, o corpo do cão em decomposição, a mesa da matança, a carne disposta na mesa. Ou as linhas cortadas em cruz em duas ou três imagens, sempre traçadas por umas mãos rudes, indiferentemente de um corpo de homem ou de mulher.
E, se bem que o tempo, com a mudança que lhe é concomitante, sempre tenha sido motivo de fascínio por parte da arte moderna e contemporânea, essa mudança, com o movimento que lhe permite realizar-se, estão totalmente ausentes da série “Barra das Almas”. Estamos aqui muito mais próximos da iconografia dos Livros de Horas medievais, que ilustravam as orações das diferentes horas do dia com imagens de trabalhos ou cenários campestres apropriados, do que, por exemplo, o Nu Descendo a Escada de Duchamp, uma das tentativas modernas de aprisionar a representação do tempo. Do mesmo modo, e como há mil anos atrás, este tempo que aqui se convoca é um tempo cíclico: adivinhamos que as estações se seguem umas às outras, que cada tarefa, da sementeira à poda da oliveira, se faz por razões que se prendem com a lenta marcha da Terra em torno do Sol, em vez de imperiosos ditames das cotações em bolsa de tal ou tal fruto da terra. Ou ainda, o que vem a dar no mesmo: que a casa que vemos, a bilha ao canto e o cabelo alvo cuidadosamente penteado são idênticos a outros, velhos de séculos, desaparecidos sem possibilidade de registo pela fotografia.
Este é por isso um tempo, e umas imagens que nele se concretizam, que esperam na sua lentidão o golpe de graça que inevitavelmente virá. Entretanto, sucedem-se os dias, as estações, os anos. Sempre iguais, ou quase. Até ao fim.
Luísa Soares de Oliveira

Condições
Entrada livre.

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