"O espaço do convívio do homens." IV Domingo, 8 de Junho, às 16h00 Dentro, Regina Guimarães e Saguenail Convidados pelo encenador Nuno Cardoso a integrar a equipa que durante um ano se dedicou ao trabalho de reescrita e encenação da "Oresteia" de Ésquilo no Estabelecimento Prisional de Paços de Ferreira, tentámos construir um rasto dessa experiência moral e artística. Os principais actores do processo foram os actores-reclusos que, no palco improvável duma cadeia de alta segurança, não só protagonizaram as complexas figuras da trilogia esquiliana como ascenderam, meteórica e brilhantemente, a cidadãos do mundo e do teatro. Interrogando a cidadania no espaço da sua privação, percebemos que o caminho estreito da dignidade passa certamente pelo encontro do "outro" enquanto projecto e sujeito do trabalho artístico, sendo o Teatro uma das formas de expressão que maior número de caminhos aponta. A faceta "audiovisual" do projecto ORESTEIA fazia por assim dizer parte do nosso dispositivo de trabalho em Paços de Ferreira. A presença constante e inquietante de uma câmara, a intrusão frequente de um microfone iriam (e disso nós estávamos conscientes) alterar, por simpatia ou repugnância, o comportamento dos participantes na oficina de formação teatral. Todavia, estávamos longe de imaginar a que ponto os reclusos eram capazes de lidar com esses olhos e ouvidos artificiais duma forma espontânea, desenvolta e dinâmica, atitude tanto mais subtil quanto nunca lhes foi pedido que representassem para o "filme" e nunca se interrompeu ou modificou nenhuma actividade em função do registo. Para a rodagem de DENTRO fomos por isso obrigados a colar (por dentro!) ao corpo e à alma do que se passava, deixando na recepção, junto com o bilhete de identidade, toda as manias de autoridade e de autoria. E não será por puro paradoxo que essa "libertação" acontece na prisão. Sempre fora nosso sonho acompanhar na íntegra um processo de criação, de maneira a produzir uma espécie de "aquém do espelho" que se completasse precisamente no momento em que o objecto criado partia em busca de um além de si. Com o Nuno Cardoso realizámos este velho desejo, no raro contexto de uma partilha de responsabilidades que não inviabilizava a discussão permanente dos nossos objectivos e a confrontação necessária com os limites do trabalho. Artísticos, políticos e morais. Doze meses de filmagens — 55 horas de imagens — e um longo parto de nove meses de montagem deram à luz um documentário que constitui, em primeiro lugar, um longo momento de reflexão crítica acerca do PRJ.X ORESTEIA, uma memória oferecida ao mundo de um gesto que uniu muitos afectos, energias e desesperanças. Era nossa intenção mostrar o "caminho estreito por onde todos pudemos passar", como lhe chamou algures o Nuno. Mas trata-se também, e não menos, da dádiva dos nossos companheiros de estrada, dos verdadeiros protagonistas do projecto, os actores do Teatro Fechado, e, nesse sentido, esperamos que este rasto esteja à altura da sua luminosa ascensão a Outra Cidadania. A montagem de um trabalho desta extensão acaba por adquirir os contornos duma história e duma busca. Porque era necessário entrar no tempo da criação e da palavra, o filme tenta encenar progressivamente essa possibilidade que o dizer nos foi revelando de se transformar em instrumento de sublevação. E, nesse sentido, fomos guiados pela rota dos actores e pela forma como eles ficcionaram o seu estar no projecto. Tivemos a nosso lado o Paulo Américo. E o Rui Coelho que é o ouvido do nosso ouvir. Nos últimos seis meses, contámos com a colaboração do Fernando Rodrigues que, após uma quotidiana prospecção de tons e sons, assinou a sua primeira composição musical para um filme. Com o DENTRO, fortalecemos a convicção de que ISTO é para ser feito da poesia de todos. Porque a poesia não é um género. E ISTO também aspira a não sê-lo. E a não pertencer. Regina Guimarães e Saguenail Título: DENTRO Imagem: Paulo Américo e Saguenail Som e Misturas: Rui Coelho Música: Fernando Rodrigues Textos: Saguenail e Regina Guimarães Montagem e Realização: Regina Guimarães e Saguenail Duração: 244 minutos No intervalo do filme teremos sopa e alguns petiscos para partilhar com todas as pessoas presentes.
