Este é um espaço dedicado à música, mas é necessário referir a excelente produção do festival. Para começar a venue é magnífica: como marco o oceano Atlântico e as belas gruas portuárias. Atrás do cenário, o muro do Forte de Santiago da Barra e a estátua de ‘A menina’ dando as boas vindas. A qualidade do som era bastante boa, embora por vezes um pouco saturada. O cenário e os visuais, a cargo da Dub Video Connection, apresentaram-se de forma tradicional: com os visuais sobre três semicírculos e sem vídeo ao vivo. Os preços do bar eram acessíveis e o ambiente era bom apesar do nítido excesso de testosterona.
Agora sim, falemos do mais importante e do motivo pelo qual viajámos por tão belos lugares. Quando chegámos, Josh Wink estava a tocar um techno muito melódico com alguns momentos mais próximos do house, encerrando a matiné que a editora portuguesa Bloop Recordings apresentou no NEOPOP e que eu lamento muito ter perdido, já que têm estado a rebentar inúmeras pistas de dança este Verão. É necessário destacar também a atuação da dupla alemã Pan Pot, que tocou um set de techno clássico, bem estruturado e muito original, apoiando-se nas remisturas ao vivo que são a sua especialidade.
Três gerações de techno representaram o marco de referência para uma segunda noite de conhecimento e dança intensa. Jeff Mills demonstrou que os anos não passam por ele e que continua a reinventar-se de dia para dia. O seu set, realizado com CDs, conserva ainda esse estilo característico de techno com muitas percussões que, somados aos arranjos atmosféricos, resulta num som muito atual.
O live act de Recondite foi simplesmente perfeito.
O live act de Recondite foi simplesmente perfeito e é o exemplo do techno mais depurado que se produz hoje em dia. O som é nítido e robusto, resultado de muitas horas em estúdio. A sua execução é simultaneamente fluida e decisiva, e define um caminho circular muito bem elaborado do principio ao fim, mostrando um domínio absoluto do delay. O seu set conduz aquele que ouve e dança por um percurso de emoções tão magnéticas como polares: Recondite foi sem dúvida o melhor da noite.
Richie Hawtin fechou a madrugada e abriu a manhã para demonstrar que é o chefe do techno. Como bom veterano conserva a tradicional estrutura do estilo, com mudanças bem marcadas a cada 16 compassos, demonstrando paralelamente uma preocupação constante em exibir as propostas mais recentes. A música de Hawtin é simultaneamente séria e relaxada: desde o início dispara a mais de 125 BPM mas os movimentos e processos que mistura evitam qualquer tipo de cansaço ou repetição sem sentido.
Carl Cox fez-nos literalmente sair do festival para ir ao carro.
Com excepção de Carl Cox que, literalmente, nos fez sair do festival em direcção ao carro para beber uma cerveja, o lineup do último dia foi um desfile de talento e boa música. Apesar do material para o live act de The Persuader não ter chegado (por um erro da companhia aérea responsável), The Persuader vestiu a camisola e fez um DJ set memorável.
Nina Kraviz tocou um set de um acid house tão hipnotizante quanto ela própria. A sua seleção de vinis é uma elegante demonstração de temas que oscilam entre o acid e o techno com uma característica vocal inimitável. Nina é uma biblioteca de sons inéditos e requintados, e os seus sets são um percurso quase historiográfico e erudito de vários estilos electrónicos perfeitamente bem misturados. Pode tocar duas horas com a mesma intensidade que seis: sabe como conectar com o seu público e a sua energia transmite o amor profundo que sente pela música, tendo ganho graças ao seu talento um lugar privilegiado dentro de um meio primordialmente dominado pelos homens: Nina Kraviz é belíssima e é a rainha.
Nina Kraviz é belíssima e é a rainha.
Grande parte da valorização atual que vive o deep house deve-se a Tale of Us, e foram justamente eles que fecharam a edição 2014 do NEOPOP. Possuidores de um estilo que a revista Groove apelidou de ‘new romantic house’, Tale of Us poliu um som único e característico em que a reverberação e os delays jogam um papel fundamental, criando uma atmosfera obscura predominante: o ruído branco é sem dúvida uma personagem medular dentro dos seus sets. Tale of Us contam uma história enquanto tocam: uma história com concepção, desenvolvimento, tema, anedota, clímax e desenlace. A mensagem interpretada, essa depende do estado de ânimo daquele que dança, mas a intenção é muito clara: “All good music should tell a story. Tales of experience. Tales of joy. Tales of love lost and won. A Tale of Us.” Grand Finale.
All good music should tell a story.
Fotos e tradução por Adriana de Carvalho Soares