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Viagem a Itália – Itinerários Postais I & II

Mário Caeiro

I myself must also say I believe it is true that in the end humanitarianism will triumph; only I fear that at the same time the world will be one big hospital and each person will be the other person's humane keeper. - Johann Wolfgang von Goethe, Italian Journey

 

A propósito de uma visita à 55.ª Bienal de Veneza – aberta ao público até Novembro –, seguem-se notas soltas para quem possa (ou queira) passar por Itália nos próximos tempos. É um brevíssimo itinerário de highlights pessoais, sem outro objectivo que o de cartografar um circuito possível; da mais surpreendente arte pública contemporânea a musts patrimoniais que vale sempre a pena rever (pelo menos de x em x anos), passando por atmosferas urbanas e tradições de cortar a respiração.

Itália é um país vizinho cujo majestoso legado e vida culturais são manifestamente ignorados por boa parte do povo de Portugal. Bárbara ignorância. Este é um país-charneira para, ao mesmo tempo entendermos o Património mais fundamental da identidade europeia e vivermos plenamente um Mediterrâneo de fundo. São excepções aqueles que fazem da mítica ‘Viagem a Itália’ uma prioridade no seu percurso de estudo ou aprendizagem. Que este artigo sirva para estimular uma visita próxima.

 

 

Itinerários Postais I

Milão – F*** you (I won’t do what you tell me)


Dear Mario,

the sculpture was commissioned by the previous administration of Milan in 2010 and was meant to stay there only two weeks. Then after two years the artist decided to donated it to Milan provided it won't be removed. So it will stay there for the next 40 years.  The present administration held a referendum among the citizens: 90% said it should stay there.

Ciao.
Clara

 

 

Há uma nova atracção cultural em Milão. Mas não ‘para todos’. Ou será?
Para além da inevitável correria entre a Praça do Duomo (passar pelo Museu del Novecento), o Castelo Sforzesco e as Galerias da Pinacoteca di Brera (para nos prostrarmos perante as silenciosas esfígies de Piero della Francesca…), os mais incautos, isto é, os que forem parar à Piazza Affari darão de caras com uma irredutível obra de arte que nos manda para o… Siga.

É uma escultura pública inaugurada recentemente, em frente à Bolsa de Milão – a Borsa. Meteu festa e tudo. L.O.V.E. é uma escultura monumental sobre um plinto e parece esticar um dedo do meio, com toda a autoridade. Digo bem, parece. Pois não é claro a quem aponta o dedo em pé; se ao mundo da Finança; se a nós próprios – o Povo – que nos deixámos enredar na narrativa da Crise; se ao poder divino. Em arte crítica, é assim, pelo ponto crítico, que a comunicação urbana enriquece a esfera pública.

Maurizio Cattelan é um célebre artista italiano, carreira feita sobretudo ‘fora’; é conhecido entre outras obras por uma fenomenal escultura hiper-realista em que vemos o Papa João Paulo II atingido por um meteorito, caído (atirado?) do céu. Em Cattelan, o corpo é sempre um signo de poderosa ambivalência, fra [entre] imagem e fisicidade, realismo e símbologia, erotismo e sentido ético. Provocação garantida, ambiguidade deliberada.

Ora Cattelan tomou conta de um monumental plinto em frente ao palácio da Bolsa e aí instalou um gesto em pedra – com um wit de cultura de massas (que vive de imagens que ficam na retina), mas ao mesmo tempo o savoir faire de um Mediterrâneo milenar (o sentido da ruína). A obra era suposto ser efémera, mas a opinião pública manifestou-se a favor da sua continuidade… por mais 40 anos (!).

À primeira vista, a peça parecerá talvez óbvia, no sentido de duplamente… ordinária; mas note-se um par de factos.

 

 

O primeiro: no corpo daquele pulso, nervado e vibrante talvez como um tonitruante falo, os dedos desnecessários ao gesto – fuck you! [I won’t do what you tell me…] – não estão dobrados, estão… partidos. Joga-se aqui uma primeira ambivalência. Afinal, não percebemos se os dedos estão partidos para que a peça pareça uma ruína (romana, como aquelas que vemos em Roma ou Florença, interpelando-nos como relíquias de épocas remotas); ou se estão partidos porque o dedo, orgulhosamente em pé, é tão somente o único que sobra depois de os outros terem sido… arrancados. Como na expressão ‘Vão-se os dedos…’? Neste pormenor, a eventual violência do gesto como que é desmontada, e ao mesmo tempo a sua banalização e potencial de ofensa.

A subtileza do gesto advém depois do próprio posicionamento do pulso face ao edifício e seus ocupantes. A posição da mão, para ser considerada decididamente ofensiva, talvez tivesse de estar de costas viradas para o edifício-receptor. E não está! Isto é, a mão – lá está, o que resta dela –, está virada de frente. Isso tem qualquer coisa de directo e necessário, pois nenhuma outra posição seria menos natural e ao mesmo genuinamente assertiva em relação à humanidade do corpo ali ausente. O acção transmuta-se em não-acção; e, talvez, vice-versa. O gesto redime-nos.

Mas que corpo é esse de que este pulso é o ariete? É, muito evidentemente, o dos cidadãos, o corpo colectivo da cidade. Mais, de todas as cidades, agora que as vicissitudes das ‘Bolsas’ e das ‘Bolhas’ estão perfeitamente diagnosticados como um problema global de cativação da esperança cidadã em nome de obscuros jogos financeiros.

 

 

Quando assim é, até mesmo um artista da ‘arte contemporânea’ mais oblíqua – aquela que o conservador Jean Clair qualifica, aliás com certa razão, como imunda [De L’Immondo] – vai à luta da ‘arte pública’, que vive, quase sempre, de uma apropriação crítica do vernacular. Com esta peça (apenas aparentemente) explícita, Cattelan parte do gesto mais básico e exercita o requinte conceptual da arte mais avançada. Arte com pulso. Mesmo que o punho cerrado – talvez o do movimento operário, ou do power in the darkness dos TRB ou ainda, forse, da prática sexual denominada por ‘fist-fucking’ – dê lugar a um disgraziato dedito em riste.

Mais uma vez, é tudo isto (mas também muito mais, que o meu desconhecimento do contexto impede de avaliar) que explica que os milaneses estejam a levar os turistas que chegam àquela nova atracção, quase religiosamente e numa espécie de micro-peregrinações íntimas. Uma escultura pública que à primeira vista poderia parecer ‘apenas mais um mamarracho’ torna-se sem dúvida n’a obra de arte da estação, comunicando intensamente com a expectativa que todos vamos alimentando em relação aos tempos negros que se avizinham. Obrigado Clara Lovisetti, por me lá teres levado.

 

 

Itinerários Postais II

Varese - Panza cheia!

A arte crítica (ou se quisermos a arte que atinge o ponto crítico da relação entre o público e a sua autonomia, visando a criação de um mundo mais belo e/ou participado não se faz apenas de gestos retóricos com intensidade política. Existe toda uma tradição de arte ambiental e da luz que se constrói na iluminação a que o espectador é sujeito ao mergulhar num espaço e deixar-se contaminar pelas alterações que os artistas realizam nesse lugar enquanto matriz da percepção. Isto a propósito da absoluta magia de um lugar que, a norte de Itália, em Varese, já for a dos circuitos de massas, é uma experiência única.

 

 

Na senda das primeiras experiências minimalistas e da expansão do escultórico (Rosalind Krauss), Itália guarda zelosamente outro segredo, legado pelo coleccionador Panza di Biumo. Este transformou uma propriedade em Varese (palácio, jardins, cavalariças…) na mais completa experiência da arte a luz em todo o mundo. Com efeito, hora e tal do gesto de Milão, em Varese, bem perto do turisticíssimo Laco di Como (e sua magnífica Catedral), há um sítio cujo silêncio arquitectural e cuja dignidade estética são tão notáveis quanto desconhecidos das massas turísticas.

Chegar-se à Villa Panza é chegar-se a um lugar-não-lugar da arte, na medida em que todo o contexto expositivo não é menos importante que a excelência das visões patentes.

 

 

Hoje integrada no Fondo del Art Ambientale, a Villa Panza é um espaço expositivo excepcional, com três grandes componentes. A primeira é o edifício principal, com uma fabulosa colecção de pintura monocromática (pura ilusão de óptica, pois a cor pura pode ser das mais alucinantes experiências no que diz respeito à reacção entre o nosso corpo e o plano da pintura). Depois, há o edifício das antigas cavalariças (transformadas em ‘showroom’ da chamada Escola de Los Angeles; e finalmente dos jardins de traça setecentista – onde até final do ano estarão obras de land art.

 

 

Em Varese, um palácio e seus jardins são então como que um microcosmo de serenidade em que cada instalação transporta o espectador para lugares surpreendentes da sua percepção. Aparentemente, aqui ‘política não entra’, mas na verdade não é bem assim, porque é na consciência do nosso poder de transformar o mundo, nomeadamente a partir das suas matérias mais imediatas – o lugar, o chão, a luz… –, que reside a nossa autonomia. Veja-se o caso da absurdamente simples ‘janela’ de Rober Irwin, um monumento Zen à complexidade sempre actual da experiência do (não-)objecto de arte. E muito isso que está implícito na ética que a Colecção Panza di Biumo promove. É um elogio da coragem e da entrega dos artistas à linguagem mais básica do universo – a luz, claro – que aqui está em causa.

 

 

Percorrer o palácio é, antes do mais, habitar um conceito de espaço sui generis – decoração e mobiliário rigorosamente setecentistas e do mais alto standing deixam-se contaminar pelo rigor ascético de uma incrível colecção de pintura monocromática, complementada é certo por pequenos apontamentos objectos de arte africana tradicional. O conjunto é de uma harmonia de cortar a respiração, puro silêncio da bela forma associado à clareza dos princípios (nomeadamente morais) que o Coleccionador soube partilhar com um núcleo de artistas muito restrito. São salas atrás de salas que vão preparando o visitante para o ‘prato forte’, os ambientes-luz na área das antigas cavalariças.

 

 

Em Dan Flavin (12 peças!!), tudo se passa através da manipulação/programação da cor de lâmpadas fluorescentes, que entram em diálogo umas com as outras, como se a luz colorida fosse… tudo na nossa vida (e não é?). Duas imponentes e desarmantes skypieces de James Turrell e três requintadíssimas manipulações da luz natural em Robert Irwin são outras tantas experiências únicas sobre as quais podemos depois reflectir nos jardins exteriores, setecentistas.

 


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